Substância da Coca-Cola pode causar câncer

A Coca-Cola comercializada no Brasil contém a maior concentração da substância 4-MI (4-metil-imidazol), o corante Caramelo 4, classificado como possivelmente cancerígeno. O resultado é de um teste do Centro de Ciência da capital norte-americana. Eles avaliaram também a quantidade da substância nas latas de Coca-Cola vendidas no Canadá, Emirados Árabe, México, Reino Unido e nos Estados Unidos.

Um estudo feito pelo Programa Nacional de Toxicologia do Governo dos Estados Unidos já havia apontado efeitos carcinogênicos do 4-MI em ratos, e fez com que a IARC (Agência Internacional para Pesquisa em Câncer), da Organização Mundial da Saúde, incluísse o Caramelo 4 na lista de substâncias possivelmente cancerígenas.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor fez um pesquisa sobre os refrigerantes e energéticos que possuem o corante Caramelo IV em sua fórmula. O levantamento verificou que a regulação brasileira sobre o tema é falha e que os fabricantes de refrigerantes e bebidas energéticas não estão dispostos a informar ao consumidor a quantidade da substância tóxica em seus produtos.

 A Coca-Cola vendida no Brasil contém 263 mcg (microgramas) da substância em 350 ml. Essa é uma concentração muito grande quando comparada com a segunda maior, vendida no Quênia, com 170 cmg. O que não dá para entender é como a Anvisa permite isso no Brasil.

Anticoncepcional Masculino

Cientistas da Indonésia desenvolveram um anticoncepcional masculino. De acordo com os pesquisadores da Universidade Airlangga, o remédio tem eficácia de 99% e quase não tem efeitos colaterais.
De acordo com o professor da universidade Bambang Prajogo, a pílula, que é derivada de um arbusto da indonésia, permite que os homens produzam espermatozoides, porém eles são incapazes de penetrar no óvulo.
Os pesquisadores ainda estão trabalhando na dosagem desse princípio ativo que será introduzida na pílula.Os cientistas afirmam que o medicamento não afeta permanentemente a fertilidade masculina. Segundo eles, os espermatozoides voltam ao normal dentro de um mês.

E O QUE VOCÊ FEZ? (And what have you done?)

Eis que vinha vindo o dia de natal. Num tempo em que os cartões de felicitações, de mão em mão iam indo, correr mundo. De tudo fazendo pra chegarem a tempo a seus destinos. E encheriam de graça e luz, os olhos quando chegassem aos seus destinos. De bicicleta, na bolsa do carteiro, a passearem pelas ruas e praças. E palpitariam os corações dos remetentes, premeditando o semblante dos que receberiam. Haveriam de amanhecerem junto de garrafa de leite no batente da porta. Dentro da agenda do gerente da loja. Junto ao diário de classe da professora. Ao pires da xícara de chá da dona da pensão. Pra finalmente irem repousar junto a latas de bombons, buquê de flores e caixas de pães da Itália. A alegrarem as mesas forradas com toalhas de motivos natalinos, com cheiro de vinho do ano passado.

Árvores urbanas se espreguiçavam mansamente nos seus mais altos galhos, a dizerem que era tempo de as enfeitarem. Tempo de se voltar a ser criança. Tempo de se ser menino. Tempo de ter menino-Jesus, vindo brincar de bola com a molecada no campinho. Verdes, verdinhos de jardim, nas asas de Betularias enviariam seus acenos pra um casal de namorados no banco da praça largados. Alegres, vistosas samambaias a discutir quem angariaria mais olhares. De bolas coloridas se enfeitando, de cristais olhares. E os piscas-piscas camuflados na folhagem do jardim, tiravam o dia pra dormir, e aguardariam a noite pra acordarem velhos sonhos.

Havia uma, duas, três casas, solitárias. E a rua, sem calçamento, sem iluminação, sem rua. Sem alegria de meninos brincando de bola. De rua mesmo, apenas o nome. Rua do Colombo. Sendo aquela à hora terceira, os meninos teriam ido pro campinho, lá embaixo. Encoberto pela algazarra de vegetação ficavam. O mundo tinha uma vontade imensa de se mostrar solidário ao tempo do advento. E pra isso revestia seu teto, de um rebanho de nuvenzinhas pequenas! Tão engraçadas. E os meninos do cabelo de fogo, punham-se a chamá-las de carneirinhos, Deus nem ligava. E suas avós, no alpendre da casa de dona Marinete, se lembrariam, que aquela era a hora da misericórdia. E por-se-iam a recitar um rosário, apressado, cheio de angústia e solidão. E as velhas senhoras se lembrariam de quando eram meninas. E ficariam tão sonolentas, e durante a reza cochilariam tanto. E acabariam sonhando com suas mães. Enquanto os gritos coloridos da molecada a grudarem-se nas camisetas, listradas numeradas, de fazer gol. Esbaforidas acabavam fazendo o que devia ser feito. E corria e corria por entre o verde.

Rua do Colombo guardava nenhuma comédia, mas pelo menos três tragédias. O homem da última casa que nunca falava com ninguém. Quando saía era somente pra ir ao mercado. Um terreno baldio, onde um cavalo pastava. A penúltima casa era duma velha que sofria de doença celíaca. Outro terreno vazio que tinha um pé de Acássia solitário, plantado no meio da grama. Findava a rua com a primeira casa, da menina triste da janela. Na cozinha, da casa do meio, uma cadeira de balanço aproveitava o silêncio da manhã, e a despeito dos pardais pipilando diziam assim mesmo: ren-ren… O teto havia se chegado, pintado de um verde claro se valia da luz diurna pra definir a geladeira, o fogão de estanho, o guarda-louça antigo. Junto das xícaras e taças de cristal, um descanso de cachimbo de porcelana com duas piteiras nodoadas de fumo, um dia pertencera a Seu Firmino, o marido barbeiro que fora embora, fazia anos.

Eis que vinha vindo, o dia de natal. A menina da casa do meio permanecia na janela de grades de ferro, fechada. Deixando ainda mais triste seu rosto triste. Sendo porém tempo de natal, era tristeza boa, sincera. Um cavalo pastava no terreno baldio. Por que sentia tanto medo? Tinha medo, do olho negro do cavalo. No que pensava o cavalo? Aquele olho lhe ia tão dentro de si. Nos recônditos porões da sua existência a tentar desvendar profusos segredos. De beijos forçados, beijos proibidos. Coisas que sua mãe, nunca deveria saber, jamais. Tinha medo. O professor de música um dia abusara dela. Preferia morrer a ver algo tão abominável exposto. E odiava-se por isso, sentia-se culpada. As pessoas têm o costume de julgar a partir de um lado apenas das verdades. Sabia disso pelos comentários. -Por que Adelaide era uma menina tão arredia? Na escola, na igreja, no parque da praça. Chegava a evitar o contato com as coleguinhas. Não dava pra entender porque não queria participar de nada. A professora tocou-lhe enquanto estava distraída e instintivamente ela a repudiou, foi traumático. Uma vez, dentro da biblioteca municipal, se atracou com Dulce sua melhor amiga. Só porque tomou de sua mão um livro que pegara primeiro. Na aula de catecismo irmã Flora conversou com ela. Adelaide voltaria pra casa ainda mais triste. A bolsa dos livros fortemente apertada contra o peito. A mãe reclamava pela demora no banheiro. Mal sabia que se trancava ali, quando queria chorar. Despia-se e ficava num canto abraçando a si mesmo. Sentia-se suja. O chuveiro prolongado, e esfregava-se com tanta força que chegava a machucar a pele. Odioso contato do professor, odiosos beijos.

Lá longe, muito além donde as vistas podiam alcançar. Eis que vinha vindo, o dia de natal. Talvez para além do fim do mundo, estivesse chovendo. E o vento na sua intrépida altivez viesse perguntar: -Tá sentindo? E a menina devolveria a pergunta: -Sentindo o quê? Cheiro de natal? E natal tem cheiro? E ouviria o vento a dizer que: -Lá longe, muito além donde as vistas podiam alcançar, também o natal era triste. A mãe da menina, chata como toda mãe devia ser, lembrou de suas obrigações. No silêncio da janela, acabou mal-dizendo das mães que achavam que filhas eram suas propriedades, das quais podiam usar a seu bel-prazer. Revisou mentalmente o que tinha pra fazer. Recolher os panos no varal, porque Deus prometia chuva. E quando Deus prometia dificilmente esquecia de seus compromissos. Mas como era natal talvez ele estivesse muito ocupado devido a quantidade de pedidos aumentada. Em papai Noel deixara de acreditar fazia três anos, desde o ano que seu pai falecera. Quando ela tinha só nove anos de idade. O vento frio soprando forte na vidraça aberta, veio lembrar-lhe de ir colocar as galinhas e os pintinhos no grajau. Recolher os ovos da poedeira. O chiqueiro dos cágados carecendo de reforma, mas só quando tio Jonas viesse somente ele pra ajudar nos reparos. Numa casa onde só duas mulheres viviam tanta falta fazia o esteio da casa. Sua vó dizia: -Minha “filha” nunca queira ficar velha nem viúva! Será o fim… E não concluía a frase. Fim de que vó? Fim da vida? Fim do sonho? Fim do mundo? Talvez fosse isso. A Rua do Colombo, talvez fosse o fim do mundo.

Era tempo de cajus no cajueiro de Seu Antonio. E os galhos escalando os muros do quintal. O crime pelos meninos premeditado nunca consumado. Dariam as Melipondias vazão pra fartarem-se até se embriagarem do doce néctar do pomar de Seu Antonio pedreiro. Ainda tontas, indo desdenhar das pobres flores da Acácia solitária do terreno ermo. O pedreiro perdera o único filho num acidente de moto. O rapaz morava em São Paulo. O corpo viera com a esposa de avião. Triste tarde de sepultamento. E o pedreiro nunca mais sentou um tijolo. Ficou doente se encostou pelo seguro social. Adquiriu a doença da tristeza, do isolamento do mundo. Assim era a Rua do Colombo, rua triste, de três casas de três moradores triste.

So this Christmas

And what have you done

Another year over

And a new one just begun

And so this is Christmas

Eis que vinha vindo o natal. Era tempo de cajus. Pra onde foram os meninos? O campinho agora era só céu, mato, e um vento frio, escurecedor. Grossos pingos de chuva fizeram o cavalo ir pra debaixo do pé de Acácia Ferrigínea. Sentada no chão Adelaide fitava a árvore de natal da sala de estar. Cartões feitos com pedaços de folha de caderno, frases tão sinceras. E Deus se inclinando por cima do seu ombro lia junto com ela e sorria. O pisca-pisca dizia verde, vermelho, verde… Dona Belinha sentada na cadeira de balanço, não sabia se dormia ou morria. Seu Antonio no sofá, um lençol vermelho enxadrezado lhe ia até o pescoço se queimando de febre. Lá longe, muito além donde as vistas podiam alcançar, uma vitrola tocava a música daquele Beatles assassinado, que dizia: Então é natal! E o que você fez?

Fabio Campos

O Feminismo no Brasil, começou no Nordeste

O movimento feminista começou na Revolução Francesa e pode ser dividida em três momentos:

  1. as reivindicações, como o direito ao voto, divórcio, educação e trabalho, nos séculos 18 e 19;
  2. a liberação sexual, impulsionada pelo aumento dos contraceptivos, no fim da década de 1960;
  3. e a luta por igualdade no trabalho, iniciada no fim dos anos 1970. Hoje, grupos feministas ainda buscam avanços no que diz respeito aos direitos reprodutivos, uma briga já ganha em alguns países, mas que enfrenta alas conservadoras em outros.
A busca pelo direito ao voto foi uma das primeiras lutas do feminismo. O movimento sufragista, que surgiu no contexto da urbanização e na industrialização do século 19, começou em 1897, com a fundação da União Nacional pelo Sufrágio Feminino pela educadora britânica Millicent Fawcett (1847-1929). No Reino Unido, o voto feminino só seria aprovado em 1918.
O primeiro país a reconhecer o direto das mulheres de votar foi a Nova Zelândia, em 1893. Entre 1914 e 1939, as mulheres adquiriram o direito ao voto em mais 28 países, entre eles os EUA, em 1920, e o Brasil. Em 1927, a professora Celina Guimarães Viana conseguiu seu registro para votar no município de Mossoró, no Rio Grande do Norte. O Estado foi pioneiro na inclusão do voto feminino.

Confraternização dos Funcionários da Escola Maria Nepomuceno Marques

Escola Maria Nepomuceno Marques, Escola que foi destaque em várias catégrias como: Melhor Escola Destaque 2014, Melhor Diretora 2014, Professora Destaque 2014; Coordenadora Destaque 2014. Escola que vem desenvolvendo um brilhante trabalho na zona rural do município, localizada em Areia Branca, comemorou hoje a confraternização em que participaram todos os funcionários da instituição. Na Chácara São Francisco, próximo a Olho D Agua das Flores a Diretora Maria Lucia Barbosa ofereceu um almoço e distribuição de prêmios.

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III – PRÊMIO CELEBRIDADE FEST 2014

Santana do Ipanema vai parar nesta Sábado dia 29, quando acontece no Espaço Vip Maria João, em Santana do Ipanema, o 3º Prêmio Celebridade Fest 2014, a partir das 21h00min. Dezenas de personalidades do Estado de Alagoas, serão homenageadas, inclusive santanenses que se destacam fora do município. A festa será animada por Dé Boy Nascimento e Banda Ex Los Borrachos, O santanense Walisson Maicon e Dj Thiago Nobre . O evento já é tradição aqui em Santana do Ipanema.

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ENTRE A SERPENTE E A ESTRELA (Parte Dois)

O céu escureceu, e como seria bom se fosse apenas ilusão. O mundo vertiginosamente rodopiava. Quem dera fosse redemoinho de vento. Alucinadamente girava de lembranças vendavais. E tudo era dura constatação. Certas coisas deviam nunca acontecer, melhor nunca terem acontecido. Infelizmente nunca se sabe qual vai ser a reação diante do inesperado. O susto, a arma branca, não era aquele o momento. Uma longa história precisava ser revelada. Arriscar a vida em defesa dum grotão ameaçado. Em missão estava. Era praticamente uma obrigação sua. Morrer de golpes de faca. Se tivesse que ser assim morreria. Aquele medo não era da morte, era da faca. Com seu inexorável poder. Diante da fraqueza de José Ivan, o rapaz do departamento Seu Pedro esmoreceu. Tocado de terna dó do moço. Disposto a abrir a guarda, desarmar-se ainda que espiritualmente. A faca na cintura do camponês. Zé Ivan paralisado. A folha de metal exercendo sua ação maléfica sobre sua alma. Entender o porquê era preciso. Tinha certeza, aquilo vinha de longe. De lá trás pra onde agora mesmo ele acabara de ir.

“Há um brilho de faca

Onde o amor vier

E ninguém tem o mapa

Da alma da mulher

Ninguém sai sem o coração sem sangrar

Ao tentar revelar

Um ser maravilhoso

Entre a serpente e a estrela”

Vinte e poucos anos e Zé Ivan parecia ser bem mais jovem. Rosto alvo, espinhas avermelhando-lhe as faces. Cabelos revoltos, dum jeito de que tomava banho, e não via pente. Proeminente dentição incisiva sob lábios finos. Os óculos, de aros arredondados dando-lhe cara dum John Lennon, sertanejo. Calça jeans, tênis de cadarços brancos, desalinhados, descomportados. Bolsa de couro a tiracolo, camiseta com uma estampa maneira, o que o tornava ainda mais esguio. Tinha, a um só tempo, cara de anjo – decaído, mas anjo – e universitário calouro. Não era fácil captar – muito embora houvesse – bem lá no fundo do olhar, uma rebeldia doce, quase ingênua. De um menino que curtiu Kurt Cobain, chorou e chorou quando ele morreu de overdose. Passaria três dias, trancado dentro do quarto, sem querer ver ninguém. As portas do guarda-roupa – pelo lado de dentro, o espelho – cheio de adesivos do Iron Maiden, Sepultura, Nirvana, Charles Brown Jr e Renato Russo. Quando estava de bem com a vida, pegava o violão, num domingo bem cedinho, se afastava da cidade. Ia sozinho curtir a natureza, cantar Sting para os lírios orvalhados dos campos. Tinha saudade das conversas que não teve com seu pai. Quem sabe perguntar como fora pra ele viver duas gerações antes de ser seu pai. Ele que vira nascer o rock’in roll comportado de Elvis Presley. Esbarrado nos anos oitenta, tempos da eletrizante geração Coca-Cola, de Rita Lee e Cazuza.

“Um grande amor do passado

Se transforma em aversão

E os dois lado a lado

Corroem o coração

Não existe saudade mais cortante

Que a de um grande amor ausente

Dura feito diamante

Corta a ilusão da gente”

Zé Ivan morava numa República com mais três amigos, na Rua Nossa Senhora de Fátima, num primeiro andar. Estudava Geografia em Belo Jardim. Nas noites quentes de verão ia pra Pracinha Dom Fernando Medeiros tomar cerveja com os amigos. Foi naquela praça que conhecera Dayane. Não sabiam, mas viveria os dois, um amor intenso. Como uma maçã cortada que encontra a outra metade. “Apple” a marca do seu headphone era também nome da Banda da qual seu pai era fã. Guardara dele, um disco compacto, que tinha na capa metade da fruta cortada. Com caneta a nankim alguém havia escrito na capa: “Were a British psychedelic rock band. The band was founded in Cardiff in 1968 by Rob Ingram on Guitar and Jaff Harradon bass. They released single LP in 1969, titled “An Apple a Day” E vinham as lembranças, com nitidez de por gosto de sangue na boca. De sua infância, da casa onde morava, próximo a Praça do Pirulito, em Maceió. Com impressionante nitidez a ouvir o barulho do trem. A abalar os alicerces, a tremerem as panelas, no tripé lá na cozinha. O barulho enorme, de dar a sensação que tudo ia desabar. Essa rotina repetida mais de quatro vezes por dia. E o braço da radiola que sequer terminava uma faixa do Long Play que seu pai colocava pra tocar retornava pro início e começava tudo de novo. Ainda menino deitado na cama, Zé Ivan cansou de imaginar o trem, como um gigantesco imbuá de ferro, doidamente derrubando as casas e que a invadir seu quarto. Tantas foram as vezes que adormecera e sonhara esse sonho. A noite caída, uma vermelhidão vinda do tabuleiro, se misturava com o negro do firmamento, trazia o cheiro de tiborna. E a fuligem da palha de cana-de-açúcar queimada enchia os móveis, os quadros da parede duma camada fina e preta. De agosto a dezembro, na entre safra, era sempre assim crianças adoeciam com frequência de constipações e o ambulatório do Sanatório, ficava abarrotado de criança e idosos com problemas respiratórios. Zé Ivan era levado por sua mãe primeiramente no Posto de Saúde ali do bairro, próximo a sua casa. Um médico com cara de alemão nazista. Como que saído daquelas velhas revista Seleções, ou da revista o Cruzeiro, duma matéria do jornalista de guerra Davi Nasser que cobria os conflitos no golfo pérsico, no Vietnã, e estivera na Itália na segunda guerra mundial. Talvez dali se tivesse materializado. Saído duma página de jornal, guardado por seu pai lá no sótão. O médico bastante irritado punha a culpa nos pais pelas doenças dos filhos. E esbravejava, dizia imprecações contra o governo, o descaso com a saúde pública. Num daqueles domingos em que levava a família à praia. Lembrou-se de sua mãe preparando sanduíches e bolinhos de arroz pra levar. Iam à praia de Pajuçara, e tiravam fotos com uma geringonça chamada de Polaroid que produzia fotografias instantâneas. A roupinha de marinheiro, o calção listrado, o maiô comportado os sorrisos de gente feliz. Uma delas flagrou o velho Gogó da Ema, o famoso coqueiro com esse formato.

“Toco a vida pra frente

Fingindo não sofrer

Mas o peito dormente

Espera um bem querer

E sei que não será surpresa

Se o futuro me trouxer

O passado de volta

Num semblante de mulher

Olegário Martins o pai de Zé Ivan, fora funcionário do DNER nos anos sessenta. Um belo dia acabaria transferido pro sertão. Recrutado pra fazer parte da equipe que iria construir a ponte General Tubino, em Santana do Ipanema, obra sobre o rio intermitente do sertão. A redenção para melhorar o fluxo de acesso a Bacia Leiteira de Batalha e Major Isidoro. Aos sábados Seu Olegário levava o menino pro Mercado da Produção. Ia comprar verdura e carne. Um dia, vinham os dois voltando pra casa. Como sempre passavam na feira do passarinho, na banca de revista comprava o jornal. Na tabacaria cigarrilhas. Pro menino, churros um caminhão de madeira branquinha pintado com corante azul e vermelho. Ao embrenharem-se por aqueles corredores escuros e mal-cheirosos um negro mal encarado vindo ao encontro deles empurrou Seu Olegário pra um canto, e anunciou o assalto. Como um raio uma faca peixeira brilhou em sua mão. Seu pai sequer demonstrou qualquer reação, porém recebeu: uma, duas, três vezes… a lâmina cravou-se em seu abdômen. Rapidamente o ladrão rebuscou-lhe os bolsos, e saiu correndo. O menino, estático, em choque. Vendo o pai cair lentamente ao chão, logo uma poça de sangue contornando-lhe o corpo. Cada vez mais aumentando de tamanho. E o mundo rodopiou. E o céu ficou vermelho. Pra onde foi a luz? O céu escureceu. Por que estava acontecendo aquilo? Seria bom se fosse apenas ilusão. O mundo vertiginosamente rodopiando. Quem dera fosse redemoinho de vendavais que dava, no caminho de volta da escola. Alucinadamente o céu não parava de girar. E a realidade era uma dura constatação. Certas coisas deviam nunca acontecer. Deus. Melhor nunca terem acontecido.

Fabio Campos

SOMBRAS E LUZ (Ariana e Lamarck)

Ilustração (Foto: Marcos Santos / USP Imagens)

Ilustração (Foto: Marcos Santos / USP Imagens)

Esta história é de Ariana, a ela pertence. Interessante é que não a conheço, jamais a vi. Por acaso num banco da Praça Senador Enéas, esquecido, encontrei um caderno de estudante. Pelo motivo da capa um personagem feminino, percebi tratar-se de uma menina. Olhando envolta tentei descobrir porem das que estavam ali próximo – a despeito dum rapaz que ia – não havia alguém que parecesse ser a dona do espiral. Cleptomaníaco possui-o. Folheei-o rapidamente. Detive-me na contracapa havia ali uma mensagem manuscrita. Aliás, aproveito a oportunidade, Ariana, para pedir-lhe desculpa – não tive como não ler – o esmero, aquela caligrafia.

“Lamarck, Eu preciso te dizer o quanto te amo, o quanto você é importante para mim. Hoje acordei cedo. Você sabe, sempre acordo tarde. Hoje, porém fiz diferente. Enquanto minha mãe e meu irmão ainda dormiam, na pontinha dos pés, fui até a cozinha. Abri a porta dos fundos e ganhei o quintal. O dia vinha amanhecendo… Meu Deus como é lindo ver o dia amanhecer! E pensar tantas manhãs como aquela, que eu já perdi. Enquanto simplesmente dormia. E perdia de ver momento tão maravilhoso! Aquele sol com seu brilho, invadindo pouco a pouco todos os espaços! Espalhando sua luz e seu calor sobre toda criatura. Fazendo sorrir as plantinhas do chão, verdinha com suas flores coloridas. Pintadas com capricho pelas mãos do maior dos pintores, o nosso Pai, Deus do céu o Criador! E ver os passarinhos cantando sobrevoando os telhados, subindo além do imenso azul do céu. Lembrei de nós quando estamos na praça, também brincamos e cantamos. Os adultos dizem que nós os jovens, não pensamos em nada, e tudo que mais queremos é mudar o mundo, o que não é verdade. Sabemos que o mundo nos espera, e o que pode, e tem a nos oferecer. Jamais nos iludimos de que tudo é “um mar de rosas” ou que “tudo são flores”. Sobre as flores, e os animais que habitam o mar, você mesmo, tem ideias revolucionárias, o curso de Biologia lhe proporcionou muitas e novas descobertas. Tens consciência do que dizes em tuas teorias, que pode serem rejeitadas, jamais aceitas pela maioria. Eu porem faço minhas as palavras de Lavoisier, àquele que o nosso professor de filosofia falou: “Posso não concordar com tudo que dizes, porem defenderei até o fim o direito de dizeres.” Quando estamos juntos trocamos carícias, nos beijamos e fazemos juras de amor um pra o outro. E dizemos que nada, nem ninguém será capaz de acabar um amor tão intenso, tão real, tão sincero, como esse que sentimos um pelo outro.Te amo muito meu amor!”

A mensagem tomava toda às costas da capa. Não era porem ali, que acabavam as confidências da jovem Ariana. Folheando um pouco mais, e adiante, depois de muitos escritos de escola, encontrei outras coisas de si. Dizia que havia sido muito traumático, saber que a mãe estava doente. “Doeu muito em mim, descobrir que minha mãinha tinha câncer. Ela estava com um câncer de mama. Sempre que chegava do trabalho, cansada, reclamava de dores embaixo do braço. Eu falava que achava aquilo normal, afinal a ocupação de serviçal, por ela exercida no Tribunal de Justiça. O dia inteiro a passar o pano, naquelas imensas salas. Bem que poderia ser a causa. Lembro ainda hoje, do dia da consulta médica. Eu fui com ela. Depois de vários exames minuciosos, a médica fez-lhe uma série de perguntas. Desde quando sentia aquelas dores? Perguntou que idade tinha. Em que dias do mês menstruava. Notei-lhe bastante envergonhada por estar relatando tanto de sua vida íntima, não por conta da médica, mas da minha presença, sua filha. Foi prescrita uma bateria de exames, entre elas, a tão falada ressonância magnética que muito elucidaria. Pra acabar de vez a dúvida a tal biópsia, e com ela a confirmação do diagnóstico: células tumorosas na mama esquerda, em adiantado estado de formação. Foi-nos explicado que era um tumor não benigno, em estágio avançado. Era caso pra extração cirúrgica seguida de tratamento quimioterápico. O tratamento começou no outro dia. E veio a parte mais cruel, para qualquer mulher. Ver que estava perdendo os cabelos. Minha mãe ficou completamente careca. Chorávamos nós duas abraçadas, eu tinha que ser forte, mas não conseguia. Eu olhava pra minha mãezinha querida. E só em lembrar do quanto era ela uma mulher vaidosa, que tanto se valorizava e tinha um astral lá em cima. Gostava tanto de viver! Ia aos bailes e festinhas, com as amigas e amigos, colegas de trabalho. E levantava a auto-estima de todos, onde chegava. Meu Deus, são os mistérios da vida. Ela e meu pai, haviam se separado quando eu tinha só nove anos, e meu irmão era um bebê.

Lamarck não tivera melhor sorte. Sendo sua amada órfã de pai vivo, com ele ocorrera o contrário, era órfão de mãe morta. Mais ainda traumático a forma como a teria perdido. Foi assim: Seu pai, Estevão da Paz, filho de família ilustre de sua terra natal, Santana do Ipanema, fora um rapaz boêmio dado as farras na juventude. Namorou e casou cedo com Maria Anália, tirando a jovem da casa dos seus pais, ainda quando estudava o curso normal. Só depois de casada, com sacrifício foi que se formou professora. Contra a vontade do marido ciumento, não queria que ela estudasse. Ao completar vinte anos de idade Estevão Paz, por influência política de sua família ingressaria, na Polícia de Alagoas. Como oficial chegou a major, destacou muitos anos no interior. Foi delegado em vários municípios. Aponto de ficar famoso por promover a paz nas localidades onde passava. Tranquilidade muitas vezes conseguida com o derramamento de sangue. já próximo de ir pra reserva, foi morar na capital do estado. No quartel tornou-se músico da banda da polícia Militar de Alagoas. Numa vez que a banda foi se apresentar numa cidade do litoral norte do estado. Por ocasião da inauguração de uma usina de cana-de-açúcar, um rapaz embriagado teria dirigido um galanteio a sua esposa que se encontrava no local. O major acabaria se envolvendo numa briga com esse homem. Sacou sua arma e na tentativa de acertar o galanteador, acabou atingindo sua própria esposa com um tiro no pescoço. Senhora Anália morreu a caminho do hospital. Lamarck era só um menino quando isso aconteceu. Porem jamais perdoaria seu pai por isso.

Interessante como era vida, aquele menino ficou incrédulo das coisas de Deus. Passou a acreditar puramente nas ciências. Nas teorias, nas leis criadas pelos homens. Assim era Lamarck estudante de biologia queria provar uma tese que um seu xará o biólogo francês Jean Lamarck defendia desde o século dezoito. Por méritos próprios conseguiu uma bolsa de estudos, para aprofundar sua teoria numa universidade francesa, em Bazentin-le-Petit cidade onde nascera o grande biólogo Jean-Baptiste Pierre Antonie de Monet, “Chavallier” de Lamarck “Filho mais novo, duma prole de onze irmãos. Seu era barão francês da infantaria, o que incentivou-o a entrar pro exército quando tinha vinte e quatro anos. Abandonou a carreira militar para dedicar-se a medicina e a botânica. Aos trinta e quatro anos de idade publicou três volumes do livro “Flora Francesa”. Obra que lhe valeu a nomeação para o cargo de botânico do herbário real de França pelo então imperador Napoleão Bonaparte. Professor de zoologia do museu de História do Museu de História Natural de Paris.” A biografia do mestre constava do seu trabalho.

Lamarck em sua pequena história de vida, sempre encontrara desafios pela frente. Sentado naquele banco da praça teve que decidir sua vida. Ir embora pra França e concluir sua tese sobre a Evolução dos seres vivos, ou ficar em Santana do Ipanema. Casar-se. Concluírem os dois, o curso de Biologia na universidade do Sertão. E conformar-se com o destino de sertanejo a si reservado. Ser professor, escrever, livros, compor poesias. Fazer filhos com Ariana. Dar aulas numa escola pública. Levar seus alunos pra visitarem sítios arqueológicos, rios intermitentes do vale da caatinga e reservas florestais. Com um grito talvez pudesse me ouvir. E devolver-lhe-ia então o caderno – esquecido num banco de praça – de sua amada Ariana.

Fabio Campos

SEM ANA ( Para sempre…)

Terça-feira

Havia uma menina, tinha os olhos grandes. Olhos que vasculhavam o mundo como quem precisava urgentemente descobrir coisas. Conhecer pessoas, de certa forma interessante. Sem essa de medir olhar. Isso pra ela, era como emprestar pro mundo palmo e meio de atenção. E não eram os outros, (fosse quem fosse) o que de mais importante existia na face da terra. Academia só a partir das terças-feiras. As coisas que precisavam deixar de serem feitas eram as que mais lhes interessavam. E ficava assim, a ouvir música, enquanto olhava, e roia as unhas.

Quarta-feira

Ana teve um sonho. Sonhou que estava num lugar onde as pessoas tinham os rostos voltados pra trás. E ela só conseguia ver-lhes a nuca. Quem havia roubado os rostos das pessoas? Nesse sonho sua mãe morria (provavelmente às três horas da tarde) num dia de quarta-feira. Por isso não tinha limões na geladeira, que eram comprados na tolda de Seu Alípio, bem próximo ao Mercado de Carne. Desse modo não podia fazer limonada. Mesmo morta sua mãe lhe sorria. O mais incrível disso tudo é que ela mesma não via nada de anormal em nada daquilo. A mãe mortinha da silva e ela nem aí, nem se quer chorava! O caixão teria sido colocado no cais do porto, por quatro homens de terno preto e cartola, que ficavam parados por alguns instantes, mas logo iam embora. Um barco com marinheiros viria buscá-la. Num dia de chuva, mas só chovia no cais, lá no horizonte havia sol. Os homens do mar tinham boinas na cabeça, camisas brancas com listras pretas. Eram galegos fortes, de braços hercúleos e longas costeletas. Sorriam e acenavam pra Ana, enquanto se iam com sua mãe.

Quinta-feira

Ana ficou com Carlos Antonio. Eles sequer namoravam. Eram apenas bons amigos, e vizinhos. A casa onde moravam ficava afastada do povoado. Ao voltarem da escola já era noite, desceram do ônibus (nenhum irmão de Ana teria ido à escola naquela noite) tinham que andar ainda um quinhentos metros até chegarem as suas casas. Ao passar próximo ao campinho, sem saber por que pararam. Ficaram um de frente pro outro, daí começaram a se beijar. E despiram-se, e fizeram amor com frenesi. Ana passou a quinta-feira toda dormindo. Uma da tarde, e continuava deitada, trancada no quarto, tentando entender porque fizera aquilo. Arrependida? Talvez, porem não dava o braço a torcer. Vá lá entender, quem sabe fez só pra se mostrar pra amigas. Ou a dizer pra si mesma que não era careta. Quantas vezes na roda de conversas, ela mesma vira as amigas ralhar outras meninas, só porque sabiam que eram virgens. Tantos mitos criados, tantos tabus caíram por terra. E as coisas que nunca tivera com quem tirar dúvidas se dissiparam. Delas que dizia que na primeira vez doía muito. Que a mãe iria descobrir, e que pra isso bastava olhar fixamente nos olhos, ou descobriria simplesmente ao vê-la andar.

Sexta-feira

Camila sua melhor amiga, contou uma mentira ao namorado, o que fez com que Ana e Carlos acabassem brigando. O fuxico seria especulação sobre uma ter ouvido da outra, que aquela primeira estaria apenas ficando com ele, mas gostar mesmo não gostava. Mas (todo mundo sabe como é) amiga é amiga, estão sempre ali pronta para nos amparar, a dar um ombro pra apoio na hora da dor. Deram as duas, de faltar às aulas, preferindo ir a praça encontrar-se com os meninos. Afinal era sexta-feira. Ana emprestou pra Camila uma calça jeans, e uma blusa lilás de alça que tanto gostava. Pra que pudessem ir a uma festa de vaquejada, escondido das mães. Um dos meninos levaria as duas na garupa duma moto. Não precisava nem dizer que não fora uma boa ideia. Num certo trecho da estrada de barro, o desequilíbrio e a queda. Os vapores de álcool a mais, fizeram o garoto acelerar, a por mais adrenalina na ação. O resultado foi muitas escoriações nos braços, nas pernas. Um corte profundo na testa de Ana. Um braço quebrado de Camila. Carlinhos ficou com dois dentes a menos no sorriso que já era torto.

Sábado

Lucimara a mãe de Ana era uma mulher bonita. Mulher pra um artista deitar os olhos sobre seu corpo, e desejar. Desejar ardentemente pintá-la, em um nu artístico. Êxtase de ateliê, pincéis e telas. Aturdido a buscar a cor daquele corpo. Lânguido corpo, moreno, cujas auréolas dos seios intumescidos de encher de arrepios. Sobre o cetim encarnado do divã. A taça de cristal, o cacho de uvas, o champanhe. A moldura cor de ouro, envernizada pra destacar ainda mais aquela pele morena. Os cílios, os olhos enchendo-se de lágrimas mornas. As coxas roliças a se roçarem liberando cheiro de fêmea. Inebriou-se o artista, tomado de volúpia e furor, a fazer sexo consigo mesmo. Os cabelos negros, a púbis febril. Aquela boca carnuda, de alvos dentes perfeitos, (encerrava) um sorriso de Mona Lisa. Doce Lucimara, por três longos anos estivera casada, agora viúva. Alcoólatra e diabético, se fora o pai de Ana dar trabalho a São Pedro. E a mãe, teve que criar a filha sozinha. Tão bom quando era apenas uma bebezinha! Angustiava-se agora, ao ver a rebeldia da menina, pouco a pouco se embrenhando por um caminho quase sem volta. Difícil, pra ambas. Seria falha de sua parte? Questionava-se. Estaria faltando diálogo entre elas? O trabalho na loja de cosmético, até os sábados, a venda de confecções porta a porta, nos finais de semana. Um fosso do tamanho de um coração fendido, incrivelmente pulsando a separar mãe e filha.

Domingo,

Em que, ou o que pensa uma menina de quinze anos? Ora, dizia consigo mesmo: “-No meu tempo, ninguém parava pra pensar nisso não. Acordava-se cedo pra lida no campo. Numa casa onde vivia com dez irmãos. Num total de treze ao todo. As tarefas da casa eram divididas. A ela Lucimara, cabia a lavagem de roupa nuns dias, o feitio de comida na cozinha noutros. Assim varava a semana. O pai era rígido nunca deixando irem a uma festa, a não ser em casos muito especiais. Um batizado, ou um casamento, de um membro da família. A bruteza da vida campesina, no entanto, jamais lhes tiraria a feminilidade. Ingênuas mulheres na ida pra roça. Com alegria, pareciam crianças a brincar de roda no terreiro de casa. Sem nunca se darem conta que o mundo um dia se lhes apresentariam homens perversos, maus intencionados. Tanto quanto (iguais e) diferentes de seu pai e irmãos. E que um dia ainda elas sentiriam saudade daquela vida monótona. Vida de viver. Despretensiosa, simplesmente vida. De colher umbu no pé, de ir a casa dos tios e primos aos domingos. De andar a cavalo. E ter que se virar sozinha ao menstruar pela primeira vez, e ficar com vergonha de dizer a mãe e as irmãs. No entanto era fácil descobrir, porque ficaria o dia inteiro se preciso fosse sem sair do quarto. Vergonha dos irmãos e do pai, que passariam a encará-la como um bicho estranho. Apesar de não se sentir, não mais menina, seria agora tratada como uma moça.

Segunda-feira

Para alguns o melhor, para outros o pior, dia da semana. Às vezes quando nos falta o que fazer passamos a ouvir a nós mesmo, ou (quem sabe) outros nós mesmos. O espelho é cruel. No reflexo, todo mundo é outra pessoa. Na frente dele se pode ser tudo, menos nós mesmos. A menina penteava-se. De dentro da boca fechada uma música, querendo vir de lá da infância, (cantava) “-Uuuummm.” Fez uma franja. Trouxe todo o cabelo de lá trás pro colo, e pôs-se a alisar. Enquanto olhava bem lentamente pra cada linha de seu rosto, pros seus traços. Quem seria aquela estranha? Batom vermelho nos lábios beijou a superfície polida. Escreveu algumas palavras. Deitada na cama. Havia uma menina, de olhos grandes. Não mais vasculhavam o mundo como quem precisava urgentemente descobrir coisas. Vítreos, opacos, sem vida a fitarem o teto aqueles olhos. Braços estendidos. Duas imensas nódoas vermelhas de sangue vertidas dos pulsos. As coisas que precisavam deixar de serem feitas, infelizmente se fizeram.

Fabio Campos

RAQUEL

De repente lá estava a vila. Dois cordões de casas, separados por um tapete de paralelos de pedras. Mosaicados de sol sempiterno. Esteira bruta, de mãos cascudas brotada. A lápis cinzel e marreta assimetricamente escrevinhada. Como cri-cri de grilos contumazes, no aço e no granito forjado. Tudo, tudo, escrito a suor e sangue de um povo bravio, forte, campesino. Sendo deles mesmos aquela história. Apesar da noite, dava pra ver tudo, tudo mesmo. Casas, e almas viventes. Estrada de barro, carro de boi. Gradiente de um tenor ofuscado de luz. Corda, couro, chocalho. Cocão cantador, idílio de cachorro doido.

O ônibus devagar foi chegando, parando ao lado do portão da Escola. Abraçando com a luz amarelada de seus faróis os que lá estavam. Estudantes, fardados, mambembes, brincalhões avançavam. Mochila às costas, guerrilheiros indo pra uma batalha que travavam contra eles mesmos, dali a pouco. Sempre haveria de ter a serra. A dizer prefiro que se esqueçam de mim, esqueçam que existo, cuidem das suas vidas (impossível imaginar a vila sem ela!). Cuidem das vidas das criaturas que Deus pôs no mundo. A muito, desde a criação. E tanto já se havia passado que o leito do riacho secou. Ninguém jamais iria pra um lugar tão desolador apenas pra admirar o por do sol. Da progenia de Adão rebelados. Da filogenia de Caim expulsos do paraíso. Expurgados da presença do Senhor. Indo parar ali eis por que se haviam. Vagaram vagabundos, pelo mundo.

Quando Raquel nasceu dona mãezinha, a parteira tomou-se de espanto ao ver aquele pingo de gente do cabelinho cor de ouro. Alvinha! De pele da cor do leite que sugava do peito da mãe uma cabocla mestiça. No seio daquela família já cinco irmãs a esperava: Leopoldina, Isabel, Antonieta, Joaquina, e Tereza Cristina. Um pai chamado Pedro, uma mãe Maria Francisca. Desde pequena demonstrara ser uma criatura diferente. Com seis meses já queria dizer palavras, e engatinhava a casa toda. Agarrando-se nas coisas firmava-se em pé, raramente chorava se levava tombos por mais contundente fosse. A avó Amélia, por parte de mãe, também vivia naquela casa, e dizia: “-Você já prestaram atenção? Que essa menina olha por baixo?” Pra velha senhora aquilo tinha um significado não lá muito bom. Pessoas que serravam os olhos, e endureciam o sobrolho pra olhar. Pra ela, essas pessoas tinham encosto o que não era bom. Raquel passou mais de dois anos pra ser batizada. Seu Benedito do Óleo, um velho benzedor, cansou de dar conselhos a comadre Francisca pra batizá-la, o quanto antes. Porque um atraso de vida era a casa que abrigava um pagão. As coisas (quando davam certo) vinham com muita dificuldade. Menino pagão adoecia com facilidade medonha. Tinha os peitos abertos. E as espinhelas caíam de palmo em palmo. Não adiantava reza, galho de arruda, banho com Samba Caitá, sal grosso, alfazema. Profetizava: “-Que Deus a livre! Se passar um vento cai de moléstia incurável, morre cedo.” (-Pagão não vai pro céu!) O que aconteceu com o único varão nascido de dona Francisca devia ter servido de exemplo.

Foi assim, dona Francisca achou de ir uma novena no Sítio Vertedouro lá pras banda de Fazenda Nova. O bucho já estava pela boca. E dona Chica bebeu pinga, muito vinho de jurubeba, fumou cigarro branco. Na euforia, dançou e dançou. Deu de sentir uns desejos. Desejou comer xin-xim de galinha, barro de louça e o fruto do mandacaru. Pedro teve que ir fachear o fruto caatinga noite à dentro. Encontrou uma caninana que não tinha mais tamanho, devorando um cururu. Levou uma carreira duma raposa choca. Ralou-se todinho numa touceira de facheiro. Pra completar quando rumaram pelo caminho de casa, um fogo corredor lá na várzea do baixio foi botá-lo no terreiro de casa. A lua cheia ia pelas alturas e dona Francisca fez uma coisa que não devia. Apontou pra lua. Era coisa que todos sabiam mulheres grávidas não podiam apontar pra lua cheia! Se nascesse vivo, o menino corria o risco de ter seis dedos nas mãos ou nos pés. Além do que sinha Chica havia pendurado a chave de casa no pescoço, outra coisa que jamais devia ter feito, o menino fatalmente nasceria com o lábio fendido, até uma das narinas. Não deu outra, a criança, um menino nasceu de sete meses. O cordão umbilical preso ao pescoço selou seu destino. Pedro nem chegou a vê-lo foi enterrado pelos padrinhos na cova da família do pai. O último a ser enterrado lá havia sido dona Genoveva, a mãe de Pedro. As crianças que acompanharam o cortejo jogaram flores e terra até cobrir o pequeno caixão. Criam que os anjos de Deus vendo que por mãos de inocentes fora enterrado viriam buscá-lo. Levariam pro lugar onde tinha um campo verde, uma relva baixa, onde podia deitar e sonhar e brincar, debaixo dum céu azul da cor do caixãozinho. Ali ficaria até o dia do julgamento.

Raquel era uma menina diferente, mesmo crescendo-lhes os peitos e adquirindo pêlos no púbis continuava tomando banho apenas de calcinha, junto com suas irmãs no riacho assoreado que lhes cobriam apenas as coxas. Os meninos danavam-se a espiar, de longe se masturbavam amoitados. Dos fundos da casa de Raquel dava pra ver o cemitério, lá a margem da estrada invadindo o prado, parecia uma manada de Nelore pastando. O muro baixo branquinho! Branquinho! Quando as coisas dentro de casa ficavam muito pesadas, brigas entre seus pais, agressões verbais e físicas. Então ia até lá. A desfrutar do silêncio, dos malmequeres, das andorinhas, beija-flores e pardais. Cruzes e flores caladas, datadas e nomeadas tristemente mal pintadas, catacumbas e covas cuscuz. Punha-se a observar as formigas que excursionavam sobre o túmulo da vó Genoveva. Tinha em conta que (a terra já tivesse consumido o corpo dela) Fabiano seu irmãozinho que não vingara, estaria debaixo do chão, correndo dentro de túneis brincando com os ossos de vó Genoveva. Quando se deu conta o dia tinha ido embora. Resolveu voltar, vez em quando olhando pra trás, como que dando adeus ao irmãozinho. Naquela noite foi pra escola muito triste. Sem vontade de assistir as aulas. No banheiro feminino encontrou Rita de Cássia. Rita percebeu que ela chorava. Perguntou-lhe o que tinha. Disse que estava triste, era seu aniversário e ninguém na sua casa se lembrou da data. De repente Raquel segurou a amiga pelo rosto e beijou-lhe na boca. Ar de espanto a menina desvencilhou-se ao tempo que limpava a boca com as costas da mão. Pediu desculpas, pôs-se de cócoras e chorou.

Uma viatura do Pelotão de choque na porta da sua casa, ao retornar da escola. As luzes vermelhas piscando sob o teto. Tingiam de sangue as paredes das fachadas das casinhas acanhadas, a luz rodava e rodava, transformando a rua num baile macabro e mudo. A qual não fora convidada, ficou de longe olhando. Um turbilhão de sentimentos a invadir-lhe. Sisudo o pai surgiu na porta, os pulsos unidos por uma algema. Abrindo caminho entre os curiosos, foi conduzido ao camburão por um policial. Humilhante ver o pai naquela situação. Queria que fosse um pesadelo do qual pudesse acordar a qualquer momento. Não era.

Pedro fora preso porque uns assaltantes de banco, pego pela polícia o denunciaram, pela venda de armas pra o crime. Enquanto via seu pai sendo conduzido até a viatura, tantas coisas vieram a mente. Pensou que teriam sido as brigas com sua mãe. Quiçá denunciaram-no pelo consumo e venda de drogas, ele fumava maconha. Ou uma de suas irmãs, pelos abusos sexuais? Até então só não havia tentado a ela, talvez a respeitasse. Perdera a conta das vezes que fora dormir com uma faca debaixo do travesseiro. Ai dele se inventasse de importuná-la.

Raquel resolveu ir embora. O ônibus escolar se afastando do povoado, se ia, levando uma garota com uma mochila cheia de sonhos, o fone no ouvido a impedia de ouvir o adeus de Fabiano na porta do cemitério. Seu destino: Maceió, morar na casa duma tia no Canaã. O ônibus avançando na poeira, deixando pra trás uma mãe, cinco irmãs, uma escola, uma serra, um riacho. Se lançasse um último olhar, veria uma menina de cabelos loiros segurando uma boneca, acenando da porta de casa.

Fabio Campos