Ferreirinha – Falando Sobre Santana

04 ago 2013 - 18:08


Foto: Maltanet

Foto: Maltanet

Em tempos de apoio ao meio ambiente e defesa do Rio Ipanema, trazemos uma bela poesia do cantor, compositor e repentista Ferreirinha, composta em 2012.

Em prosa e verso, Ferreirinha nos mostra, de uma forma alegre e de fácil leitura, a relação entre o imaginário e o real.

Alertando-nos para grandes problemas que vimos debatendo atualmente em nossa comunidade.

 

 

 

Quero agradecer a Deus

Esse dom que Ele me deu,

De poder contar com rimas

Da forma que aconteceu

Façanha, força e coragem

Lembrando alguns personagens

Que em nossa terra viveu

 

Há muito tempo passado

Santana era um dilema,

Na convivência dos índios

Que conhecia o sistema,

Devido a água salgada

Santana era chamada

De Ribeira do Panema

 

Porém não tinha problema

De lixo e poluição,

A água mesmo salobra

Servia a todo sertão

Todos animais bebiam

A água limpa servia,

As diversas precisões.

 

Peixe tinha de montão

Para o povo não faltava,

Se escolhia o tamanho

Jogava a rede e pegava,

Criança, jovem, ancião

As vezes só com a mão,

Sem sacrifício pescava.

 

Famílias nobres da terra

Neste rio se banhava,

Moça, menino, rapaz

Pra qualquer lado nadava,

E Fernando Catingueira

Com sua forma brejeira,

Águas nas casas botava.

 

Assim que o dia raiava

Trazendo uma manhã bela,

Catingueira levantava

E passava água na tela,

Pra ninguém ter sede à toa

Ia buscar água boa

Nos torrões ou na Marcela.

 

E nessa terra tão bela

Isenta de confusão,

Famílias todas faziam

As festas de tradição,

Natal e noite de Ano

Pra o povo interiorano

Pode crer era festão.

 

E na safra de feijão

A alegria era dobrada,

Os cabras feitor de romãs

Botava o pé na estrada,

Em busca de diversão

Pra cantar e bater feijão

Só voltava madrugada.

 

E as festas de vaquejadas

Coco de roda e reisado,

Pastoril, samba e forró

Deixava o povo ouriçado,

Queda de braço em bodega

Cantor de caipira e de brega

De tudo tinha um bocado.

 

Tinha criação de gado

Dos fazendeiros mais nobres

Cavalo, porco, carneiro

Pra vender e fazer cobre,

E o povo ribeirinha

Criava pato e galinha

Que é criação dos mais pobres.

 

Roceiro pegava o cobre

Que apurava no feijão,

Ia tomar cerveja fria

Lá em Maria brejão,

E escutar as bravuras

Das rimas de Mata Escura

Com Zezin da Divisão.

 

Gente do nosso sertão

Gosta de honrar o nome,

Mentira ninguém adota

Quem mente aqui morre ou some,

Pra que o leitor entenda

Eu vou contar uma lenda

Do velho Poço dos Homens.

 

Dizem que naquele poço

Um carreiro após entrar,

Deu um mergulho profundo

E sentiu alguém lhe pegar,

Puxar pra baixo e dizer

Agora tu vai morrer

Ninguém pode lhe salvar.

 

E que o porão do poço

Quando o sujeito caía,

De repente umas muralhas

Ao seu lado aparecia,

Pessoas que lá entrava

De repente se encantava

Nunca mais ninguém o via.

 

O carreiro de repente

Ouviu uma voz falar,

Não voltarás ao teu mundo

Por aqui tu vai ficar,

Só existe uma esperança

Pode haver uma mudança

Se comigo concordar.

 

Começo a lhe mostrar

Um rico e belo tesouro,

Taça, garfo, faca, xícara

Jóia e corrente de ouro,

E o cabra chamado Deda

Trouxe um baú de moeda

Só mesmo por desaforo.

 

Era moeda de ouro

De um brilhar bem cintilante,

Outras peças bem bonitas

Com claro mais ofegante,

Coisas de muitos mil anos

Amigos se eu não me engano

Era tudo diamante.

 

Ali naquele instante

Alguém começou a falar,

Vamos fazer um acordo

Isso tudo eu vou lhe dar,

Você vai voltar aqui

E se o trato não cumprir

A coisa vai arruinar.

 

Eu quero que você vá

Mas veja se não se engana,

Traga um carro e quatro bois

Cumpra-se o trato bacana,

Pode levar o tesouro

Mas a metade do ouro

É de Senhora Santana.

 

Ele concordou bem depressa

Se fazendo de animado,

Sem vontade de voltar

Pois estava atordoado,

Nunca tinha visto ouro

Mas o tamanho do tesouro

Lhe deixou atormentado

 

Saiu fora vexado ainda sem acreditar,

Mais ou menos doze horas

Os bois ele foi buscar,

Chegando de novo ao rio

Sentiu outro calafrio

Ao ver o que estava lá.

 

Logo começou olhar

E viu água bailando,

Uma corrente bem grossa

De ouro vinha apontando,

Bem na ponta um armador

Aonde ele amarrou,

E com os bois foi falando.

 

Ele ficou muito alegre

Tomou logo uma pitú,

Foi arrastando um tesouro

E falou cheio de lundu,

Eita tesouro bacana!

Disse, Senhora Santana

Não vai ver nem o azul!

 

Nem terminou de falar

Um clarão apareceu,

Os quatro bois se espantaram

Até a terra tremeu,

A corrente se quebrou

E pra o fundo d’água voltou

O que julgava ser seu.

 

O carreiro emudeceu

Passou um mês sem falar,

O povo lhe perguntava

E ele nada a contar,

Fazia um grande alvoroço

Depois mostrava o poço

Mas nunca mais quis ir lá.

 

Nós podemos provar

Que inveja não leva a nada,

O cabra não agiu certo

Quis ficar só na parada,

Nenhum cristão se engana

Quanto mais a Santa Ana

Que por Deus foi coroada.

 

O pobre deste carreiro

Teve um sofrimento grosso,

Louco pra enriquecer

Quase perdia o pescoço,

Sofreu, chorou grande amargura

Hoje não brinca com água

Nem passa perto de um poço.

 

Santana tem muita história

Tem gente de tradição,

Tinha o Poço do Juá

Acredite meu irmão,

Hoje é sujo e aterrado

Porém já foi no passado

De Santana a atração.

 

Tinha até competição

De futebol na cidade,

Mais pra cima tinha o banho

Água limpa de verdade,

Se chamava com carinho

O banho do estreitinho

Era lazer à vontade.

 

Hoje só resta saudade

Do nosso velho Panema,

Quando tá seco é só lixo

Quando tá cheio é problema,

O progresso aqui chegou

Os nossos rios matou

Trouxe pra nós um dilema.

 

Santana virou poema

É princesa da caatinga,

Porém ninguém preservou

Todo mundo criou ginga,

Quando a cidade cresceu

De repente faleceu

Ipanema e Camuxinga.

 

Não digo que foi mandinga

Porque já está explicado,

Foi chegando os armazéns

Loja, oficina e mercado,

Dejetos e vários produtos

Que em poucas horas ou minutos

Deixa o rio arrasado.

 

Esgotos são projetados

Parecendo desafio,

Já não se cava mais fossa

Deságua tudo no rio,

Quem é daqui se desgosta

Quando olha pras encostas

Sente até um calafrio.

 

Na beira do nosso rio

Parece até brincadeira,

Construíram lava jatos

E oficinas lavadeiras,

Onde o óleo se alastra

Pode crer fica a devasta

Numa região inteira.

 

No poço que a lavadeira

Lavava em um cacimbão,

Enquanto a roupa sacava

Preparava a refeição

Buscava água na fonte

Hoje só resta lá um monte

De lama preta e lixão.

 

É triste a situação

Tudo isso acontecendo

Onde se fala em progresso

Só tem riqueza crescendo,

Pra o rico é tudo barato

O pobre é quem paga o pato

Em vez de subir tá descendo.

 

É uma luta sabendo

Que é difícil vencer,

Quando se fala em progresso

Alguém tem de padecer,

Pois foi assim com Jesus

Pra salvar eu e você.

 

Como Jesus sofreu muito

Para ser um vencedor,

Nosso povo santanense

Luta com força e vigor,

Quem não pode se sacode

Pede clemência a quem pode

Mas luta com muito amor.

 

Eu quero pedir um favor

Ao povo mais indicado,

Quem tem o poder nas mãos

E apoio de todo lado,

Lendo esses versos que fiz

Lembre-se do passado.

 

Se acaso eu estiver errado

Me mostre aonde eu errei,

Pois eu não sou sertanejo

Mas essa terra adotei,

Só posso falar bem dela

E para defender ela

Esforço não medirei.

 

Agora eu quero pedir

Para uma pessoa direita,

Que governa o Município

Seja prefeito ou prefeita,

Quem luta com amor vence

Cuide bem dos santanenses

Que todo erro se ajeita.

 

Quem essa parcela aceita

Com muita sabedoria,

Devolve pra nossa gente

Paz, amor e alegria

Aceite asse desafio

Resgate pra nós o rio

Ai meu Deus que bom seria!

 

Peço com euforia

Em nome dos ancestrais,

Traga o Panema de volta

Que muita falta ele faz,

Peço a Jesus de Nazaré

Pois se o governo não fizer

Só Jesus Cristo é quem faz.

 

Não sei se é pedir demais,

Posso até exagerar,

Queria ter a certeza

De um dia me alegrar,

Ver o Ipanema limpinho

Na correnteza os peixinhos

Acima e abaixo a nadar.

 

E pra meus netos eu contar

E mostrar com muito amor,

Seria nascer de novo

Talvez sonhando eu estou,

Pois pode ser impossível

É uma fantasia incrível

Que presa ao passado ficou.

 

O tempo já me mostrou

Hoje eu posso até rimar,

Contar de Santana um pouco

Sem a ninguém maltratar,

Só relatei o passado

Contei um caso engraçado

Por que ouvi alguém contar.

 

Antes dos versos findar

Sem haver nenhum engano,

A história do carreiro

Invejoso e meio profano,

O nome dele eu não sei

Porque quando aqui cheguei

Já fazia muitos anos.

 

Mas me disse um conterrâneo

Que em Santana morou,

E conheceu o carreiro

Disse que ele se mudou,

Foi morar lá num deserto

Pra não ver um rio por perto

E não sentir mais pavor.

 

A história do carreiro

Quem fez a rima fui eu,

Quem ler esses versos não digo

O ano que aconteceu,

Amigo é melhor tu ler

Do contrário vai sofrer

O que o cabra viveu.

 

Falando Sobre Santana – Cícero Ferreira Barbosa (Ferreirinha)

 

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