Em tempos de apoio ao meio ambiente e defesa do Rio Ipanema, trazemos uma bela poesia do cantor, compositor e repentista Ferreirinha, composta em 2012.
Em prosa e verso, Ferreirinha nos mostra, de uma forma alegre e de fácil leitura, a relação entre o imaginário e o real.
Alertando-nos para grandes problemas que vimos debatendo atualmente em nossa comunidade.
Quero agradecer a Deus
Esse dom que Ele me deu,
De poder contar com rimas
Da forma que aconteceu
Façanha, força e coragem
Lembrando alguns personagens
Que em nossa terra viveu
Há muito tempo passado
Santana era um dilema,
Na convivência dos índios
Que conhecia o sistema,
Devido a água salgada
Santana era chamada
De Ribeira do Panema
Porém não tinha problema
De lixo e poluição,
A água mesmo salobra
Servia a todo sertão
Todos animais bebiam
A água limpa servia,
As diversas precisões.
Peixe tinha de montão
Para o povo não faltava,
Se escolhia o tamanho
Jogava a rede e pegava,
Criança, jovem, ancião
As vezes só com a mão,
Sem sacrifício pescava.
Famílias nobres da terra
Neste rio se banhava,
Moça, menino, rapaz
Pra qualquer lado nadava,
E Fernando Catingueira
Com sua forma brejeira,
Águas nas casas botava.
Assim que o dia raiava
Trazendo uma manhã bela,
Catingueira levantava
E passava água na tela,
Pra ninguém ter sede à toa
Ia buscar água boa
Nos torrões ou na Marcela.
E nessa terra tão bela
Isenta de confusão,
Famílias todas faziam
As festas de tradição,
Natal e noite de Ano
Pra o povo interiorano
Pode crer era festão.
E na safra de feijão
A alegria era dobrada,
Os cabras feitor de romãs
Botava o pé na estrada,
Em busca de diversão
Pra cantar e bater feijão
Só voltava madrugada.
E as festas de vaquejadas
Coco de roda e reisado,
Pastoril, samba e forró
Deixava o povo ouriçado,
Queda de braço em bodega
Cantor de caipira e de brega
De tudo tinha um bocado.
Tinha criação de gado
Dos fazendeiros mais nobres
Cavalo, porco, carneiro
Pra vender e fazer cobre,
E o povo ribeirinha
Criava pato e galinha
Que é criação dos mais pobres.
Roceiro pegava o cobre
Que apurava no feijão,
Ia tomar cerveja fria
Lá em Maria brejão,
E escutar as bravuras
Das rimas de Mata Escura
Com Zezin da Divisão.
Gente do nosso sertão
Gosta de honrar o nome,
Mentira ninguém adota
Quem mente aqui morre ou some,
Pra que o leitor entenda
Eu vou contar uma lenda
Do velho Poço dos Homens.
Dizem que naquele poço
Um carreiro após entrar,
Deu um mergulho profundo
E sentiu alguém lhe pegar,
Puxar pra baixo e dizer
Agora tu vai morrer
Ninguém pode lhe salvar.
E que o porão do poço
Quando o sujeito caía,
De repente umas muralhas
Ao seu lado aparecia,
Pessoas que lá entrava
De repente se encantava
Nunca mais ninguém o via.
O carreiro de repente
Ouviu uma voz falar,
Não voltarás ao teu mundo
Por aqui tu vai ficar,
Só existe uma esperança
Pode haver uma mudança
Se comigo concordar.
Começo a lhe mostrar
Um rico e belo tesouro,
Taça, garfo, faca, xícara
Jóia e corrente de ouro,
E o cabra chamado Deda
Trouxe um baú de moeda
Só mesmo por desaforo.
Era moeda de ouro
De um brilhar bem cintilante,
Outras peças bem bonitas
Com claro mais ofegante,
Coisas de muitos mil anos
Amigos se eu não me engano
Era tudo diamante.
Ali naquele instante
Alguém começou a falar,
Vamos fazer um acordo
Isso tudo eu vou lhe dar,
Você vai voltar aqui
E se o trato não cumprir
A coisa vai arruinar.
Eu quero que você vá
Mas veja se não se engana,
Traga um carro e quatro bois
Cumpra-se o trato bacana,
Pode levar o tesouro
Mas a metade do ouro
É de Senhora Santana.
Ele concordou bem depressa
Se fazendo de animado,
Sem vontade de voltar
Pois estava atordoado,
Nunca tinha visto ouro
Mas o tamanho do tesouro
Lhe deixou atormentado
Saiu fora vexado ainda sem acreditar,
Mais ou menos doze horas
Os bois ele foi buscar,
Chegando de novo ao rio
Sentiu outro calafrio
Ao ver o que estava lá.
Logo começou olhar
E viu água bailando,
Uma corrente bem grossa
De ouro vinha apontando,
Bem na ponta um armador
Aonde ele amarrou,
E com os bois foi falando.
Ele ficou muito alegre
Tomou logo uma pitú,
Foi arrastando um tesouro
E falou cheio de lundu,
Eita tesouro bacana!
Disse, Senhora Santana
Não vai ver nem o azul!
Nem terminou de falar
Um clarão apareceu,
Os quatro bois se espantaram
Até a terra tremeu,
A corrente se quebrou
E pra o fundo d’água voltou
O que julgava ser seu.
O carreiro emudeceu
Passou um mês sem falar,
O povo lhe perguntava
E ele nada a contar,
Fazia um grande alvoroço
Depois mostrava o poço
Mas nunca mais quis ir lá.
Nós podemos provar
Que inveja não leva a nada,
O cabra não agiu certo
Quis ficar só na parada,
Nenhum cristão se engana
Quanto mais a Santa Ana
Que por Deus foi coroada.
O pobre deste carreiro
Teve um sofrimento grosso,
Louco pra enriquecer
Quase perdia o pescoço,
Sofreu, chorou grande amargura
Hoje não brinca com água
Nem passa perto de um poço.
Santana tem muita história
Tem gente de tradição,
Tinha o Poço do Juá
Acredite meu irmão,
Hoje é sujo e aterrado
Porém já foi no passado
De Santana a atração.
Tinha até competição
De futebol na cidade,
Mais pra cima tinha o banho
Água limpa de verdade,
Se chamava com carinho
O banho do estreitinho
Era lazer à vontade.
Hoje só resta saudade
Do nosso velho Panema,
Quando tá seco é só lixo
Quando tá cheio é problema,
O progresso aqui chegou
Os nossos rios matou
Trouxe pra nós um dilema.
Santana virou poema
É princesa da caatinga,
Porém ninguém preservou
Todo mundo criou ginga,
Quando a cidade cresceu
De repente faleceu
Ipanema e Camuxinga.
Não digo que foi mandinga
Porque já está explicado,
Foi chegando os armazéns
Loja, oficina e mercado,
Dejetos e vários produtos
Que em poucas horas ou minutos
Deixa o rio arrasado.
Esgotos são projetados
Parecendo desafio,
Já não se cava mais fossa
Deságua tudo no rio,
Quem é daqui se desgosta
Quando olha pras encostas
Sente até um calafrio.
Na beira do nosso rio
Parece até brincadeira,
Construíram lava jatos
E oficinas lavadeiras,
Onde o óleo se alastra
Pode crer fica a devasta
Numa região inteira.
No poço que a lavadeira
Lavava em um cacimbão,
Enquanto a roupa sacava
Preparava a refeição
Buscava água na fonte
Hoje só resta lá um monte
De lama preta e lixão.
É triste a situação
Tudo isso acontecendo
Onde se fala em progresso
Só tem riqueza crescendo,
Pra o rico é tudo barato
O pobre é quem paga o pato
Em vez de subir tá descendo.
É uma luta sabendo
Que é difícil vencer,
Quando se fala em progresso
Alguém tem de padecer,
Pois foi assim com Jesus
Pra salvar eu e você.
Como Jesus sofreu muito
Para ser um vencedor,
Nosso povo santanense
Luta com força e vigor,
Quem não pode se sacode
Pede clemência a quem pode
Mas luta com muito amor.
Eu quero pedir um favor
Ao povo mais indicado,
Quem tem o poder nas mãos
E apoio de todo lado,
Lendo esses versos que fiz
Lembre-se do passado.
Se acaso eu estiver errado
Me mostre aonde eu errei,
Pois eu não sou sertanejo
Mas essa terra adotei,
Só posso falar bem dela
E para defender ela
Esforço não medirei.
Agora eu quero pedir
Para uma pessoa direita,
Que governa o Município
Seja prefeito ou prefeita,
Quem luta com amor vence
Cuide bem dos santanenses
Que todo erro se ajeita.
Quem essa parcela aceita
Com muita sabedoria,
Devolve pra nossa gente
Paz, amor e alegria
Aceite asse desafio
Resgate pra nós o rio
Ai meu Deus que bom seria!
Peço com euforia
Em nome dos ancestrais,
Traga o Panema de volta
Que muita falta ele faz,
Peço a Jesus de Nazaré
Pois se o governo não fizer
Só Jesus Cristo é quem faz.
Não sei se é pedir demais,
Posso até exagerar,
Queria ter a certeza
De um dia me alegrar,
Ver o Ipanema limpinho
Na correnteza os peixinhos
Acima e abaixo a nadar.
E pra meus netos eu contar
E mostrar com muito amor,
Seria nascer de novo
Talvez sonhando eu estou,
Pois pode ser impossível
É uma fantasia incrível
Que presa ao passado ficou.
O tempo já me mostrou
Hoje eu posso até rimar,
Contar de Santana um pouco
Sem a ninguém maltratar,
Só relatei o passado
Contei um caso engraçado
Por que ouvi alguém contar.
Antes dos versos findar
Sem haver nenhum engano,
A história do carreiro
Invejoso e meio profano,
O nome dele eu não sei
Porque quando aqui cheguei
Já fazia muitos anos.
Mas me disse um conterrâneo
Que em Santana morou,
E conheceu o carreiro
Disse que ele se mudou,
Foi morar lá num deserto
Pra não ver um rio por perto
E não sentir mais pavor.
A história do carreiro
Quem fez a rima fui eu,
Quem ler esses versos não digo
O ano que aconteceu,
Amigo é melhor tu ler
Do contrário vai sofrer
O que o cabra viveu.
Falando Sobre Santana – Cícero Ferreira Barbosa (Ferreirinha)