Marcelo Ricardo Almeida
A ESTÉTICA DO ESPÍRITO E DA MATÉRIA NA LITERATURA DE BRENO ACCIOLY
A tradição literária de seu gênero narrativo conto era legado de outros contistas que o precederam falando da loucura, a exemplo do norte americano Edgar Allan Poe e/ou também de Machado de Assis, e este, inclusive, fez releitura daquele. “O Alienista” tratava de doenças mentais, quais escritores levaram o cientificismo parnasiano à literatura, a exemplo do escritor de Santana do Ipanema: Terra de Escritores, Breno Accioly, barroco-parnasiano, o contista da loucura na rua dos lampiões apagados. Aliás, o conto de Poe (O Sistema do Dr. Alcatrão e do Prof. Pena. Este se encontrava no filme “Refúgio do medo”) sobre um hospício, não governado pela sanidade, governado por insanos: pacientes usurparam lugares de médicos e agiam como tais. Esta narrativa, recortada por Machado de Assis em “O Alienista”, mostrou que o apavorante perturbava o mundo, sucumbia e voltava a perturbar.
Estética na literatura de Breno Accioly surgiu do legado de outros contistas que o precederam falando da loucura. Ora o Barroco, ora o Parnasianismo presentes na contística acciolyana: capital simbólico e escritor-matriz que apresentou o mundo Santana do Ipanema ao mundo literário. Breno Accioly, o contista da loucura na rua dos lampiões apagados, teve a sua estreia literária no Recife (Jornal do Commercio – grafia com M duplo, – onde trabalhava na redação o santanense e amigo comum Clodolfo Rodrigues de Melo, que intermediou a publicação do conto “Na rua dos lampiões apagados”).
Em suas narrativas, ele escrevia a respeito de personagens comuns em pequenas cidades com um quê de originalidade: os loucos. O médico Clodolfo (1999), em conversa comigo, como fonte histórica oral, contou sobre o nascimento do contista-matriz Breno Accioly. E, mais tarde (2003), conversei, pessoalmente, sobre isto com Lêdo Ivo, quando esteve em Florianópolis, por convite que lhe fiz, e participou do I Festival Nacional de Poesia. Ao sugerir que Lêdo Ivo viesse, veio com a esposa Leda, ao festival que realizei com alguns amigos, editoras, promotores da feira do livro e ACL.
Lêdo conversou muito sobre Breno Accioly. Conviveram no Rio de Janeiro (Distrito Federal até a inauguração de Brasília, em 1960). Lêdo Ivo, contemporâneo de Breno Accioly. Tanto um quanto o outro, popularizaram a literatura alagoana na capital da república, Rio de Janeiro, onde se lançaram no ano de 1943.
Breno Accioly, de Santana do Ipanema, tornou-se um dos contistas expressivos. Levado pelas mãos de Clodolfo à redação do Jornal do Commercio, por volta de 1940. Ali, publicou o seu primeiro conto. Todos em Santana conheceram o Dr. Clodolfo. No milênio passado, Clodolfo viajou de Maceió ao Recife, de trem, onde fez o pré-médico (era o pré-vestibular à época). Viajaram Breno e Clodolfo. Ficaram em pensão. Saíam à noite. Conheciam mulheres da Veneza Brasileira.
Pontes por onde andaram os poetas Castro Alves, Rui Barbosa, Manuel Bandeira. Augusto dos Anjos: Recife. Ponte Buarque de Macedo Eu, indo em direção à casa do Agra, Assombrado com a minha sombra magra, Pensava no Destino, e tinha medo! Na austera abóbada alta o fósforo alvo Das estrelas luzia... O calçamento Sáxeo, de asfalto rijo, atro e vidrento Copiava a polidez de um crânio calvo. Lembro-me bem. A ponte era comprida, E a minha sombra enorme enchia a ponte, Como uma pele de rinoceronte Estendida por toda a minha vida!
O redator chefe do Jornal do Commercio era o alagoano Esmaragdo Marroquim. Em Santana do Ipanema, no comércio do pai, Clodolfo rascunhava um papel quando foi surpreendido com a visita de um amigo da família. Perguntado sobre o que escrevia, a sua resposta despertou no visitante ao sertão o interesse em indicar Clodolfo ao emprego de revisor no Jornal do Commercio. Clodolfo chegou ao Recife com uma carta de apresentação. Estava empregado. Breno insistente com a publicação de seus contos na imprensa, e Clodolfo atendeu o amigo Breno Accioly.
Teóricos em literatura encontraram em Breno algo inédito? O escritor referia-se ao antigo revestindo-o em nova roupagem. No Rio, a vida de funcionário público lhe oferecia tempo aos prazeres literários? Certa noite recifense, Breno e Clodolfo andavam pelas ruas. Disse-me o médico, ainda no outro milênio: “Marcello, Breno olhou uma rua escura e comentou acerca da matéria-prima para mais um de seus contos: Rua dos Lampiões Apagados”. Clodolfo riu, então, a sua feliz gargalhada. Parou. Estava no passado. Os dois amigos de juventude santanense acabavam de sair da casa de umas amigas. Anchos. Tarde da madrugada. Hora na qual os lampiões iluminavam as ruas e esfriavam as ideias.
A tradição literária de seu gênero narrativo conto era legado de outros contistas que o precederam falando da loucura, a exemplo do norte americano Edgar Allan Poe e/ou também de Machado de Assis, e este, inclusive, fez releitura daquele. Machado criou novas obras literárias onde ressignificou publicações de outros escritores e dramaturgos. As suas releituras enxergavam sob outra perspectiva por meio de atividades textuais criativas. Mostrava de maneira diferente a criação literária alheia como uma segunda leitura própria.
Criações literárias comunicavam-se sobre algo que transcendia no tempo, como alguém que tinha os meios de comunicar, este meio era a literatura. A escrita se comunicava por quem possuía o domínio literário e usava as suas habilidades criativas (poiesis). Ocorria com a estética literária de Breno Accioly. Termo grego (estética) vinha da apreensão pelos sentidos como viu, ouviu, sentiu Breno Accioly. Esta estética na literatura veio do legado de contistas que o precederam falando da loucura.
Na contística de narrativas do fluminense Machado de Assis, “O Alienista” espelhava o mundo de ponta-cabeça. O alienista tratava de doenças mentais, quais escritores levaram o cientificismo parnasiano à literatura. Breno Accioly, barroco-parnasiano, o contista da loucura na rua dos lampiões apagados, por meio de sua literatura, o mundo de Santana do Ipanema, sertão alagoano, foi apresentado ao mundo literário hegemônico do Sudeste a sua literatura que era oriunda do não-hegemônico.
Quão o sujeito, na oração, sempre antes do predicado, a loucura na literatura encontrava-se desde contos na mitologia hebraica. Como disposição de última vontade, feito o termo legado nas Ciências Jurídicas, foi deixado ao santanense este valor literário fixado no conto que era o gênero narrativo textual curto. Personagens acciolyanas pendiam mais ao espaço dionisíaco, menos ao espaço apolíneo. Para Nietzsche, o dionisíaco referia-se a falta de medida.
João Urso era personagem que gargalhava ao gosto da divindade mitológica grega de Dioniso; João Urso personificava as explosões de loucas gargalhadas. Aliás, o conto de Poe (O Sistema do Dr. Alcatrão e do Prof. Pena. Este se encontrava no filme “Refúgio do medo”) sobre um hospício, não governado pela sanidade, governado por insanos: pacientes usurparam lugares de médicos e agiam como tais.
Esta narrativa, recortada por Machado de Assis em “O Alienista”, mostrou que o apavorante perturbava o mundo, sucumbia e voltava a perturbar. Isto como espécie de mundo às avessas, que se inverteu, que ficou de ponta-cabeça. O dia em que Dr. Simão ganhou vida por Machado – imaginasse este mundo de ponta-cabeça onde Dr. Simão Bacamarte, personagem, diagnosticasse Machado de Assis, o autor, outro inquilino na casa de amontoar “loucos” por mera obsessão, visualizações, prestígio, dinheiro.
Era fácil, nestes tempos líquidos, despregar-se da realidade e apresentar-se como se vivesse em uma realidade paralela, ou seja, ocupasse (como se visse a si no espelho) o papel de personagem que invertesse a própria imagem. Nada nesta realidade se apresentava com solidez, tudo se liquefazia. O comportamento social era fácil de interpretar em tempos líquidos.
As relações facilitavam a compreensão, lembrava Bauman, porque se apresentavam com o seu próprio manual da modernidade líquida. E esta ilha perdida no oceano começava a demonstrar que era um continente. Na avaliação do Dr. Simão Bacamarte, a insânia abrangia uma vasta superfície de cérebros.
Esta leitura do bizarro, do gótica, desta condição da miséria humana demonstrada na literatura de Breno Accioly – ou de outros narradores – apresentava a insanidade. Como sátira? Sob o manto da ironia? Na ficção da contística, cada ação foi revestida com o grito de socorro diante da loucura de seu lugar (loucura diatópica). E de seu tempo (diacrônica). Loucura diastrática – porque acontecia entre os grupos sociais.
Além da loucura diafásica – ocorrendo por causa dos meios comunicativos. Todas elas como acontecimentos paratópicos, porque surgiam na ficção da contística destes autores como alerta de lugar nenhum. Era pedindo socorro neste sentido de paratopia (não-lugar), era tomado como criação literária e não denúncia da opressão testemunhada. Bauman entendeu que a modernidade era líquida. Recentemente? Neste período onde as relações humanas passaram a ser fugazes e por isto fúteis, até substituíveis, e as próprias substituições trocadas por outras substituições ad aeternum, como se dizia no passado.
Na realidade às avessas, a questão que sobrava era idêntica àquela das narrativas machadianas e acciolyanas: se a realidade vinha jurar por esta outra realidade. E, por ironia, aqueles ares de Brás Cubas, de Machado de Assis, que não teve filhos para não transmitir a nenhuma criatura legado da miséria, foi descuidado com o aforismo nietzschiano de que, quando se olhava por tempo demais às profundezas de um abismo, o próprio abismo se encarnava no olhar de quem o fitou.
Quem brigava para derrotar monstros, caso não vigiasse, poderia vir a ser monstro também. Joaquim Maria foi encerrado na Casa Verde em nome da pós-verdade, mesmo sem defendê-la o Dr. Simão Bacamarte? Nesta contística da loucura, a venda vendava o olhar. Secura do alienista, personagem criada e contada por Machado de Assis, que – num exercício de imagética – tivesse aprisionado o autor no asilo, atraía – como se encontrava em sua narrativa, – com a força de poderoso ímã, loucos de vilas e arraiais. E, nas palavras do narrador Machado, “eram furiosos, eram mansos, eram monomaníacos, era toda a família dos deserdados do espírito.” O mundo foi sequestrado pela Síndrome do Alienista? “O padre Lopes confessou que não imaginara a existência de tantos doidos no mundo.” Delírio tomou conta da Rua Nova, onde ficava a Casa Verde, espalhou-se mundo afora?
Para atender aos hóspedes compulsórios e impulsionados por ondas sociais, segundo a voz do narrador, “em duas classes principais: os furiosos e os mansos; daí passou às subclasses, monomanias, delírios, alucinações diversas.” A ponto dos comentários da mulher do alienista: “Quem diria nunca que meia dúzia de lunáticos...”. Na releitura machadiana da narrativa do norte-americano Edgar Allan Poe (The system of doctor Tarr and professor Fether), era revelado que – “Enquanto ela [mulher do alienista] comia o ouro com os seus olhos negros, o alienista fitava-a, e dizia-lhe ao ouvido com a mais pérfida das alusões: Quem diria que meia dúzia de lunáticos...” – o objetivo era demonstrar interesse não à Ciência, ao acúmulo de capital.
Ainda sobre “O Alienista” – antes de concluir sobre o contista-matriz de Santana do Ipanema, – a narrativa de ficção literária demonstrava hibridez entre estes dois gêneros literários narrativos: o conto e o romance-síntese. Como pretérito mais-que-perfeito era comum em contos de fadas, “O Alienista” era mais-que-um-conto.
Se dedução resultasse de certezas interpretativas dalgum raciocínio lógico, indução colhia casos que se assemelhavam e chegava-se a uma certeza. Esta certeza da presença de estilo literário de Breno Accioly que unia mundos literários distintos/distantes encontrava-se em sua personagem-matriz “João Urso”. Ele era resultado da região e de suas variações diatópicas, históricas e sociais, portanto diastráticas nas quais estava inserido o sertão. E
sta geografia foi berço da galeria ficcional onde foram agasalhadas as personagens das quais se destacava acima de todas as outras a sua personagem-matriz (João Urso) de mãos pequenas e olhos espremidos por bochechas gordas no universo descomunal da cabeça que enxerga Santana do Ipanema por uma das janelas, no sobrado defronte a igreja da padroeira do município.
Na rua de lampiões apagados, o contista da loucura abriga este João Urso com tardias correntes literárias europeias do Barroco (1580) e do Parnasianismo (1882). O contista santanense Breno Accioly contou a miséria num misto de barroco e parnasianismo. O Barroco caracterizava-se com estilística retórica alimentada por antíteses, isto é, mistura de opostos. Possuía caráter de pedra irregular. Ou seja, luz, sombra, tensionamento entre teocêntrico/antropocêntrico, presença de solidão e agonia. O mundo barroco era representado por água, relâmpagos, nuvens, morte. Buscava-se rebuscar a sua escrita e abusava-se do paradoxo com esta e outras figuras de pensamento, a exemplo da ironia, hipérbole e gradação. Estes os recursos fonológicos que, ao valorizar os sons, ofereciam relevo fônico à criação literária.
Parnasianismo, outro aspecto presente na estética literária de Breno Accioly, era representado, como escola, principalmente em sonetos. Caracterizava esta corrente pela busca de perfeição formal. Uma criação literária parnasiana era detalhista e ambientava a criação ficcional com descritivismo. Havia presença da arte como sinônimo de beleza. Usava a figura de construção (polissíndeto) e intensificava o discurso com repetições. O espaço onde personagens transitavam se apresentava com a força das artes plásticas.
Soneto hoje ainda era esta forma fixa de poesia: Silêncio Os livros Dormem Agora Entre as Gôndolas na estante Silêncio Deixa O livro Dormir Seu sono De livro Silêncio. O soneto, presente em “João Urso” não estava de corpo, estava de alma. Personificado em seu suplício ao ter que decorá-lo como forma de castigo sobre o tamborete. Autor de “João Urso” recolheu do Barroco visões divergentes entre o sagrado e o profano, a loucura e a sanidade. A loucura exagerada. A mistura complexa de sentimentos. Além das figuras, rebuscou Breno Accioly a linguagem ao gosto da crise pós-Renascimento. E “João Urso” apareceu hiperbólico, metafórico.
Exagerou João Urso nas gargalhadas, ao gosto do Barroco, causou a morte da equilibrista no circo mambembe que aparece em Santana do Ipanema. O circo era um acontecimento memorável. No segundo estilo, isto é, Parnasiano, – talvez legado inconsciente da professora Zefinha, – a velha linguagem rebuscada, e os detalhes no espaço de personagens.
Cientificismo e alienação social presentes nos espaços de João Urso. Em versos, “João Urso” numa síntese do referido conto acciolyano: Na filologia das serras Onde pedras dormiam Surgiram trovões senis Fugiram de relâmpagos Angústias represadas Em terços e Ave-Marias E era o próprio João Urso Que se repetia em sonetos Em pé em um tamborete Ali olhando à palmatória Presa às mãos da mãe Viajava no rito de castigo João Urso gargalhava Gargalhadas terríveis Estremeciam Santana Eram tantas e repetidas Por elas caiu e morreu Uma equilibrista do circo.
As gargalhadas em João Urso vinham como explosões incontroláveis – sem a presença simultânea do choro – como se identificava no Coringa, que sofria de Síndrome Pseudobulbar. O cientificismo que demarcava território em “João Urso”, na estética contística de Breno Accioly.



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