O Ódio e outras histórias por João Yoyô Filho

Descrever as consequências funestas que o ódio tem ocasionado na vida dos povos, ser-me-ia necessário dispor de uma bagagem literária bem profunda, cujos conhecimentos, exigiriam longos anos de apurado estudo.
Na marcha acelerada da evolução dos tempos parece, ou melhor, observamos o retrocesso que se verifica na espécie humana, referente à observância dos ensinamentos ministrados pelo meigo Nazareno - "amai-vos uns aos outros".
Como seria edificante se acompanhássemos o progresso material, juntando ao mesmo, em condições idênticas, os sentimentos que o espírito anseia!...
Naturalmente, haveria, indubitavelmente, não só a compreensão entre povos, como também reinaria em todas as consciências a verdadeira tranquilidade, fator básico de uma paz segura.
Infelizmente, o homem, isso generalizando a espécie humana, continua arraigado a um princípio frágil dos seus ancestrais, banindo do seu coração aquela mensagem que o perpassar dos séculos não sufocará, aquela memorável noite de Natal - Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade".
Se porventura meditássemos um pouco da grandeza dessa frase, expressão que encerra a sublimidade de um Evangelho, novos horizontes se descortinariam às nossas vistas, e os caminhos tortuosos que palmilhamos nesta vida, tornar-se-iam retos e desobstruídos, assegurando a geração presente uma caminhada sem fadiga, por entre trajetórias desta vida mortal.
Há, todavia, na continuação da vida dos povos o grande obstáculo impedindo o aperfeiçoamento espiritual - o ódio; doença que se assemelha ao câncer, moléstia que vem zombando ainda da ciência. No entanto, esse mal que se apega ao espírito, pode ser debelado por um simples ato de nossa vontade: perdoando fraquezas do nosso semelhante para que possamos receber também o perdão das nossas.
E firmado nessa concepção creio sinceramente que, se o mundo não mudar de rumo, será irremediavelmente destruído pelo ódio.
João Yoyô, 19 de Setembro de 1954
Revendo o Recife
Nesses últimos dias, visitei, em caráter de negócio, a terceira cidade do Brasil - Recife. Fazia um certo tempo que não transitava por àquela cidade. À proporção que os dias se passaram, aliás, num curto espaço de tempo, pareceu-me haverem construído nova cidade. Notei uma diferença espetacular em tudo que se relaciona com a sua vida.
Observei cuidadosamente, em algumas artérias, uma agitação fora do comum mormente ao aproximar-se do encerramento do primeiro expediente.
Aquelas ruas que, outrora se apresentavam afogadas pela sombra dos grandes edifícios, como que envergonhadas e ambicionando a elegância estrutural que se apresenta nas demais, cederam as mãos dos técnicos e receberam a imponência que lhes iguala, formando um conjunto monumental de prédios, que atesta sobremaneira a evolução da arquitetura nacional.
Tive em contacto com o comércio. Em primeiro lugar, defrontei-me com o ramo que negocio - tecidos. Por espírito de curiosidade, procurei observar a grande variedade de ramos que compõem àquele empório, orgulho do Norte Brasileiro - tudo caro, caríssimo; não sei se de fato tudo é exploração, ou são consequências da evolução, fator preponderante que se alevanta por uma determinada época nesta particularidade, silencio, deixando à observação dos entendidos da matéria.
Afastado da preocupação comercial, era justo recrear um pouco o espírito. A noite já sacudia sobre o hemisfério a escuridão que superava a penumbra natural, e fazia-me necessário passear naquelas avenidas iluminadas como os dias claros de verão.
Acompanhado do meu amigo e colega Fernando Nepomuceno visitamos os principais pontos da cidade. Detemo-nos um pouco na contemplação de um panorama soberbo: a localização das pontes que se estendem sobre o rio Capibaribe, em cujo lugar se centralizam os mais diversos reclames luminosos.
Nessa oportunidade, tivemos ensejo de visitar o cinema "São Luiz”. Ali assistimos uma projeção - a Terceira Dimensão(3D). Muito embora estivéssemos prevenidos com a ilusão ótica sacudida pela tela, vimos desprender-se em direção a nossa cabeça um canivete, que, outro meio não tivemos, a não ser usar do instinto de conservação - mover o corpo rapidamente.
Inegavelmente, diz o sr. Fernando Nepomuceno: o cine "São Luiz” é um dos melhores da América do Sul; conheço o "Marrocos" em São Paulo somente em tamanho excede o "São Luiz".
E aproveitando a oportunidade do objetivo de minha viagem, estive ultimamente revendo o Recife.
João Yoyô, 12 de setembro de 1954
Socialismo Natural
Entre nós, há um fenômeno natural. Existe um intercâmbio na agricultura, principalmente entre os agricultores pequenos - uma maneira deveras apreciável.
Acontece comumente em nossa zona o seguinte: um pequeno proprietário dispõe de um arado e o seu vizinho ainda não teve possibilidade de comprar outro. Em troca de dias de serviço, numa espécie de festa, como chamam aqui (batalhão),é revolvida a terra do que não possui o arado; muitas vezes, sem haver pagamento; existindo somente, o entrelaçamento amistoso dos compadres ou amigos.
Ainda há poucos dias, fui informado por fonte segura desse gesto edificante; e numa oportunidade, tive ensejo de presenciar o desprendimento do nosso homem do campo.
Na época atual, nesta fase em que parece que o homem perdeu a cabeça, numa correria louca à procura do dinheiro, pouco importando que o mesmo venha de qualquer maneira, às vezes sacrificando o que lhe é mais caro e nobre, é bastante raro, haver uma região em que as ideias se ajustem numa comunhão toda fraterna, à maneira do que vem acontecendo no município santanense.
Há quem diga que o nosso município possui um total de seis mil arados, revolvendo as nossas terras. A estatística oficial, realmente, não atesta o aludido número; todavia, não é propriamente um exagero tal afirmativa; porque, notemos uma coisa: o número mais ou menos certo de arados particulares, existentes no nosso município, atinge uns três mil, excetuando alguns tratores. Porém, em virtude do liberalismo que é comum da nossa gente, duplica-se este número, atingindo aquele, pelo fato de trabalharem em revezamento, nas propriedades que ainda não possuem um arado.
Muito embora não me tenha dado ao trabalho de pesquisar na repartição competente o número positivo de propriedades registradas, afirmou-me pessoa autorizada que há dias possuíamos um registro de seis mil. Naturalmente, com o desmembramento de Olho d'Água das Flores deve ter diminuído essa cifra; no entanto, podemos mesmo dizer que a região é quase uma, pois, tudo pertencia a Santana do Ipanema.
Tivemos a introdução do arado em nosso meio, no ano de 1925, quando foi aberto o "Campo de Sementeira", neste município, pelo agrônomo Dr. Otávio Cabral de Vasconcelos, em cuja época, dirigia os destinos das Alagoas, o grande jornalista Costa Rego, de saudosa memória.
Lembro-me neste momento, que no ano de 1927, o Dr. Otávio Cabral, chefe do mencionado "Campo de Sementes", de acordo com o nosso amigo Valdemar Lima, colaborador assíduo e eficiente desta página, fez uma demonstração aos nossos agricultores da eficácia e necessidade do arado, prova essa, que constitui os melhores resultados, os quais, se patenteiam hoje com o elevado número que possuímos.
Tudo isso, e mais a boa índole do nosso povo, constitui em nossa terra, um verdadeiro socialismo natural.
Para saber mais sobre o autor Clique aqui
João Yoyô, 25 de julho de 1954.
COMENTÁRIOS