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  • Santana do Ipanema, 20/12/2025
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João Neto Felix

Breno Accioly e os balões juninos de Santana do Ipanema

Foto: Apenso com Grifo
Breno Accioly e os balões juninos de Santana do Ipanema Av. 24 de Outubro em Santana do Ipanema

Chamava-os de mensageiros e sentia-me feliz vendo-os partir céleres ou lerdos, em busca de seus inexoráveis destinos. Sabia que eles viveriam algumas horas, talvez, nem isso; todavia em meu peito jamais faltou um coração sadio quando meu solhos se inflamavam, acompanhando a rota incerta dos balões de junho.

Dir-se-ia, naqueles instantes eu me esquecia das paulificantes lições de matemática, além da prisão do internato que iria me encarcerar, novamente, dentro de uma semana ou dos puxavantes que mamãe dava à minha orelha ao ver-me alheio às sentenças da predica das missas de domingo.

Pessimista desde que me entendo, não o era, entretanto, à noite das festas de São João, pois de lado abandonava o futuro (sempre se me afigurando qual um fantasma) e deixava de imaginar que em certa época de anos vindouros teria de vestir uma farda amarela e sair pelas ruas, de rifle ao ombro esquerdo até que um sargento cansado de castigar a tropa berrasse um “alto”.

O futuro que se danasse, à margem ficassem as apreensões e sepulta das prováveis tragédias de meu destino, pois os festejos dominavam os meus sentidos — almas a exultar quando pipoucos de foguetes rasgavam os ares e bombas estrondando na praça da Igreja, transformavam-na em terra de ninguém, tanta era a fumaceira, tantos eram os estampidos que lhe fendiam as entranhas.

Vida era isso, não a sonolência que as ruas de Santana do Ipanema embalavam em noites comuns, noites desertas, sempre vazias, mesmo que uma lua cheia pressagiasse amor ou soldados espancassem presos ou alguma prostituta transferisse as suas desditas cantando alto, bem alto, modinhas que a cachaça induzira o seu coração expulsar.

No entanto. aqueles amplos gestos de meus braços aos poucos se iam reduzindo e daqueles meus gritos de guerra restavam apenas, esparsos monossílabos ao me apontarem um balão se queimando, ardendo vir caindo destroçado, fracassado na sua condição de moribundo.

Eu não era como os meus primos, que roucos ficavam e cansados se sentiam após a descida de um balão em chamas. Gritava, sim. ao vê-los subir impávidos, batia palmas, sim, ao vê-los destros em suas ascensões, rodopiava nos calcanhares. sim, depois de torcer que eles não deixassem prender pelos lábios vorazes dos fios do telégrafo nem vazados eles fossem pelas agulhas das torres. Queria, não nego, vê-los desaparecer dos tampos visuais de minha infância, jamais do telescópio que se abrigava em minha imaginação. Que eles se fossem, de céu a dentro, prosseguissem navegando embora atentos aos abrolhos de compactas nuvens, sempre na direção de bons ventos — amigos fiéis à maneira de cães.

Eu dava outro destino a balões de três a quatro palmos de comprimento…

Não os abandonava sobre a tampa envernizada do piano nem subia as escadas do sótão, à mercê de suas lanternas, após metamorfoseá-los em criados.

Dilatava-os com o ar de meus pulmões cheios, iluminando-os um por um, toda a atenção no palito de fósforo aceso, seguro pelos dois primeiros dedos de minha mão direita. Mas depois de vê-los acesos, cheios de pressão, doidos para se libertarem da força que os retinha, ansiosos para fugirem, eu os enfileirava e maneira de sentinelas, dependurados nas grades de ferro do sobrado de minha avó, eles ficavam quando muito se balançando.

Não me aventurava s soltar balões que não ultrapassassem aos meus ombros.

Urdia impressões funestas; via-os entrando pelas janelas do sobrado, caindo sobre as telhas, provocando pequenos incêndio indesejáveis, catastróficos arruinadores, em conjunto.

Depositava fé nos balões grandes, jurava, sem receio de pecar, no poder de suas inesgotáveis energias. Nem uma vez presenciara balões grandes se romperem, despetalarem-se em gomos ardentes, reduzirem-se a um horrível esqueleto fumegante, armação atingindo o solo uma rapidez de flexa. Essa era a sorte dos balões pequenos, daqueles que me davam muito trabalho, mesmo quando cortados em série. Um pouco mais de goma, uma tesourada imprecisa, lá se ia tudo de água abaixo. Não era de minha conta que os primos arriscassem os seus. Mas para o meu coração pleno de arroubos e iniciativas era uma calmaria, quando ninguém me pedia olhasse para o céu (sabiam que eu embirrava, não sentia prazer em presenciar balões se queimando, se transformando em cinzas) porque eu só me lembrava de esfregar um tição aceso na cabeça de buscapé — jatos de fogo, terríveis no ronco e no arranco embora desprovidos da beleza ofuscante e perigosa das espadas. Bombas estourei às dúzias, tanto as de parede como as de estopim. Mas nunca consentiram que eu guerreasse a molecoreba da Camuxinga brandindo espadas, verdadeiras armas de fogo que se buscavam como se fossem corpos imantados — buscavam-se para se digladiarem quais lanças de cavaleiros medievais, buscaram-se para se extinguirem trocando rajadas, encontrões, cabeçadas come fazem os galos de briga. Maior mágoa a memória de minha infância, ainda armazena. Certa vez culpei as mãos de uma de minhas primas, acusando-as de haver destruído todos os meus balões pequenos, mesmo antes de acende-los. Culpei-as, sem poder expor provas, embora soubesse que seus passos, bastante vezes, seguiam bilontramente os meus.

Esta crônica foi feito por Breno Accioly e publicado no Diário de Pernambuco de 27 de agosto de 1950 sob o título Balões.



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