Dia dos Professores: mesmo em tempos digitais, o papel do educador segue sendo essencial
Histórias de docentes de diferentes etapas e regiões do país mostram os desafios e conquistas de ensinar em um Brasil cada vez mais conectad.

A Inteligência Artificial (AI) ganha cada vez mais possibilidades nas salas de aula brasileiras – incluindo o uso feito por professores. Hoje, pouco mais da metade dos educadores (53,1%) utilizam a tecnologia em suas atividades profissionais, segundo uma pesquisa realizada pela Nova Escola.
O estudo mostra um progresso significativo em comparação a anos anteriores: em 2023, apenas 23% declararam consultar a IA e, no ano passado, o índice subiu para 38%. Atualmente, 32,2% afirmam utilizar diariamente e 28,5% semanalmente.
Dentre os principais usos apontados estão a construção de planos de aula, citada por 58,6%; a elaboração de novas atividades, indicada por 54,9%; e o aprimoramento de conhecimentos, mencionado por 54,6%.
A despeito desse novo cenário, o que não mudou: a tecnologia quando mediada pelo professor, à medida que ele a utiliza como apoio para despertar o interesse dos alunos e fortalecer vínculos. É o que defende o professor Marco Saliba, do Grupo Eureka. “O afeto sempre fez parte da aprendizagem. Com ou sem tecnologia, educar exige envolvimento emocional e empatia. Sem afeto não há aprendizagem. Em um mundo de imensos avanços tecnológicos, o papel do educador é justamente transformar o espaço escolar em um local de acolhimento e fortalecimento das relações humanas”, enfatiza.
Saliba ressalta, no entanto, que a IA representa uma ruptura em relação a outras tecnologias que marcaram época nas escolas, como o retroprojetor ou a televisão. “A IA é, sem dúvida, a tecnologia que mais me surpreendeu pela potência de facilitar o trabalho docente. Mas ela só tem valor se usada com intencionalidade pedagógica. É preciso promover o letramento digital dos docentes, pegar na mão do educador e mostrar, na prática, como essa ferramenta pode apoiar sua atuação. O centro da experiência educacional não são os dispositivos, é o professor”, explica.
São inúmeros os relatos de professores que demonstram esse potencial em diversos aspectos. A tecnologia tem se consolidado como um recurso primordial, o que permite maior aproximação entre escola e famílias; agiliza processos, como frequência eletrônica e correção de provas; além de revelar novos talentos entre os estudantes. Também abre caminhos para metodologias mais interativas, como as aplicações no ensino de matemática, estimulando a curiosidade e o aprendizado de forma lúdica.
Confira as histórias:
“A tecnologia mudou e ajudou muito a nossa rotina escolar”
Há 10 anos no magistério, Tatiane Siqueira atua em escolas de Planaltina (Goiás), entre elas o Centro de Ensino em Período Integral (Cepi) Mário de Andrade, o Colégio Estadual de Planaltina 07 Leste e a Creche Planaltina de Goiás. Lecionando no ensino médio, fundamental e no projeto APA (Aprender para Avançar), ela destaca como a tecnologia revelou talentos entre os alunos.
A professora conta que um de seus estudantes dominou rapidamente a plataforma Eureka Digital, ambiente virtual de aprendizagem, e passou a auxiliar os colegas a usarem-na nas salas virtuais. “A tecnologia mudou e melhorou nosso dia a dia. A frequência eletrônica é um exemplo: todos os alunos que faltam são registrados no grupo da escola e, assim, os pais conseguem saber em tempo real se os filhos estão presentes ou não. Também temos a correção on-line de provas, o que reduziu consideravelmente as horas gastas nessa tarefa. Hoje temos o livro físico e o virtual (na plataforma) e ainda contamos com a Inteligência Artificial para pesquisar. Tudo isso tornou o cotidiano mais prático”, diz Tatiane.
“Sou da época do mimeógrafo, então a rapidez das mudanças tecnológicas foi um desafio”
Com três décadas dedicadas à educação, Adriana Horta de Matos é especialista em educação de surdos e de Libras, e atua em duas universidades: Unintese (no Rio Grande do Sul) e Italo (em São Paulo). Sua trajetória nasceu de um desejo por mudança com base em própria experiência. “Gostava de crianças e queria ser uma professora que soubesse incluir pessoas surdas para que elas não enfrentassem a mesma barreira que enfrentei”, relata.
Ao longo da carreira, Adriana encarou muitas transformações tecnológicas. E aprendeu também com seus estudantes. “Sou da época do mimeógrafo, então, a rapidez das mudanças foi um desafio. Muitas vezes foram meus alunos que me mostraram como salvar arquivos em nuvem ou como se apropriar das funcionalidades do celular, até mesmo para tirar fotos”, relembra.
Adriana destaca ainda os desafios da exclusão. Em um episódio marcante, uma ex-aluna surda recorreu ao Facebook para encontrar um intérprete de Libras antes de uma cirurgia no SUS, uma vez que todos os familiares eram surdos e não conseguiam ajudá-la. “Ela estava desesperada. Foi muito triste ver uma aluna usar uma rede social pedindo socorro. O que mostra o quanto ainda precisamos lutar”, destaca.
“Por isso, continuo na luta pela inclusão educacional de qualidade. Para que estudantes surdos possam escolher onde estudar e ter seus direitos linguísticos respeitados. Essa será para sempre a minha missão”, reforça.
“O uso da tecnologia precisa ser equilibrado para que seja uma aliada”
Com 17 anos de carreira, Eliane de Lourdes Silva Silveira é professora regente de educação infantil no Centro de Educação Infantil Doutor Cássio Magnani, em Nova Lima, Minas Gerais. Ela decidiu pela docência, inspirada por sua primeira professora, Vilma Fernandes, na Escola Estadual Cristiano Machado.
Eliane acredita que a tecnologia seja capaz de despertar o interesse e a curiosidade das crianças e ainda amplia formas de aprendizado. No entanto, reforça o risco do uso sem orientação adequada para a infância, como o excesso de exposição e os prejuízos no desenvolvimento. “Tenho receio de que a criatividade seja reduzida, já que a criança precisa ter chance de criar, explorar e experimentar”, alerta.
Em sua turma, o uso de tablets ocorre de maneira orientada e com objetivos claros. Uma das experiências mais significativas foi a utilização em atividades de matemática, quando as crianças puderam aprimorar o traçado dos números de forma lúdica e interativa. Para Eliane, esse equilíbrio é crucial: “É preciso usar a tecnologia de forma consciente, para que funcione como apoio ao desenvolvimento infantil e não como barreira”.
“Acho que a relação entre professor e tecnologia é de amor e ódio. Ao mesmo tempo em que a gente foge dela, quando a experimenta e vê sentido, apaixona-se e usa”
Com mais de duas décadas dedicadas à educação, Marco Saliba construiu sua trajetória sempre ligada à defesa da escola pública e ao compromisso de apoiar professores em seu trabalho cotidiano. Ao longo desse percurso, fez da escuta dos educadores e da busca por soluções pedagógicas inovadoras os pilares de sua atuação. “Sempre digo que gosto de ser professor no atacado; não no varejo. Tudo o que democratiza eu gosto muito e a tecnologia faz isso: traz melhorias pontuais para a educação. Mas insisto: não substitui o professor”.
Saliba defende que, nesse contexto, o aspecto humano do ensino precisa ser ainda mais valorizado. “Na questão da tecnologia, o afeto se torna capital, porque, se não forem bem utilizadas, as novas ferramentas geram distanciamento e isolamento, fazendo a escola trabalhar no caminho oposto ao desejado. Acredito que, em um mundo de grande avanço tecnológico, a função do educador seja, cada vez mais, garantir um lugar em que as relações humanas sejam fortalecidas”, afirma.
Para Saliba, a resistência é natural, pois cabe ao educador analisar qualquer recurso com cuidado. “Hoje, acho que a ligação entre professor e tecnologia é uma relação de amor e ódio. Ao mesmo tempo em que a gente foge dela, quando a experimenta e vê sentido, apaixona-se e usa. Nós, enquanto educadores, não podemos aceitar as coisas de prontidão. Faz parte da nossa formação ser críticos e – ser crítico – exige uma postura de análise, menos emotiva. A sala de aula é um espaço sério, sagrado, onde estamos moldando vidas e, por isso, precisamos testar antes de levar qualquer novidade para esse ambiente”, explica.
Formado em Letras, Linguística e Pedagogia, Saliba atuou em escolas na região de São Paulo e desenvolveu projetos de formação de educadores para a Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio em prefeituras e estados. Há 27 anos, foi um dos fundadores do Grupo Eureka, que atua com educação pública e tem como foco o educador, oferecendo obras físicas, plataformas digitais de apoio à aprendizagem e ao ensino, além de encontros pedagógicos.
“Na pandemia vimos como a tecnologia podia aproximar a escola das famílias e facilitar a nossa rotina”
A professora Adjanice da Mata atua no Ensino Fundamental da Escola Municipal de Camará, em Aroeiras (Paraíba) e soma nove anos de experiência. O que a inspira a seguir na profissão é o brilho nos olhos das crianças ao aprenderem algo novo.
Adjanice recorda que o período da pandemia mostrou o potencial da tecnologia como suporte à educação. Agora, ela conta como a chegada da Inteligência Artificial trouxe mais praticidade. “Na pandemia vimos como a tecnologia podia unir a escola às famílias e facilitar nossa rotina”, lembra-se.
Se pudesse escrever uma carta para a professora que ela foi no passado, Adjanice diria que, apesar dos desafios, a profissão vale a pena. “Acredito que, mesmo com os obstáculos no caminho, eu iria vencer. Se pudesse dar um conselho a mim mesma, no início da carreira, diria para ser forte e corajosa. Mantenha a esperança de que a educação é capaz de transformar realidades”, declara.
COMENTÁRIOS