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  • Santana do Ipanema, 15/06/2025
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Marcelo Ricardo Almeida

Rebor(n)dosas

Aluno reborn? disse, quando viu a sala cheia; levantou-se de pulo; buscou ajuda. Coordenadora! Coordenadora, que rebordosa é essa, coordenadora?

Foto: Freepik
Rebor(n)dosas

O professor sai da aula do Prof. Bauman. Não lhe deixa a cabeça a realidade líquida. Coisas da modernidade! disse.

No ponto de ônibus. Espera o transporte, que o leva ao trabalho.

As rebordosas são cada vez maiores! disse, como se dissesse a si mesmo. Através das janelas, no lotação, passam os edifícios, o tempo, a vida, as perguntas, as prestações atrasadas, o samba, o asfalto quente  tremula nos olhos, dança o tango argentino, baila a salsa caribenha.

Durante o trajeto, as imagens atravessam a catraca, acendem os sinais luminosos de parada, as portas abrem-se e se fecham. Segue o professor à escola.

As relações sociais, ecoam na eternidade as aulas do polonês filósofo e sociólogo Prof. Bauman, tornaram-se líquidas, como a água. E até mesmo as relações econômicas e políticas.

O ônibus deixa o professor a duas quadras do trabalho. A cada passo, ele avista uma parte da escola. 

Vê o telhado, o andar de cima, as janelas, vê a parte térrea, a quadra poliesportiva, o muro grande e descuidado, o portão. Boa tarde! disse, e ficou à espera de resposta.

Ele trazia os trabalhos dos alunos, o livro da disciplina, as provas da semana passada. O material na sala? ponderou. Decerto, sim.

Sem tempo de ir ao escaninho, evitou a sala dos professores, foi direto à sala de aula. Atravessou a porta. Começou a folhear o livro. Surpreendido pelo espanto:

Aluno reborn? disse, quando viu a sala cheia; levantou-se de pulo; buscou ajuda. Coordenadora! Coordenadora, que rebordosa é essa, coordenadora?

É o momento, professor, é o momento. Qualquer dúvida, o corpo administrativo está em reunião o dia todo a portas fechadas. E nada de falar sobre evolução emocional em sala de aula.

Com a certeza de que o aluno reborn não grita até perder a voz, não atrapalha a aula, não corre, não tropeça, não cai, não se machuca, não incomoda os colegas, aprende o que o professor lhe ensina, não tem nota baixa, faz todas as atividades, é educado, não traz desculpas, não tem dúvidas... O trabalhador em educação não teve dúvidas. Voltou à sala de aula. Talvez fosse o -n da questão, disse, numa tentativa de escapar das rebor(n)dosas. E plugou o laptop, e começou a fazer a chamada:

Hamlet! disse, e esperou a resposta. Desistiu dela ao deduzir que ele estava lá; e seguiu:

Otelo! disse, e esperou; por fim, prosseguiu:

Macbeth! disse, como fazia quatro vezes por semana naquela sala de aula.

Abantesma! chamou e, como não obteve resposta, foi adiante:

Maria Bala!

Romeu!

Julieta!

Zé Arside!

Ofélia! 

Coriolano!

Maricota!

Cabeça!

Babélica!

Simplicidade!

Danaro Tampa!

Policarpo!

Brás Cubas!

Casca!

Bentinho!

Capitu!

Quincas Borba!

Esse faltou, professor.

Quem falou isso? perguntou o professor tomado pelo espanto.

A voz líquida, que era a mesma de antes, lhe respondeu:

Iceborn! 

O cronista Marcello Ricardo Almeida é autor de "Oficina de Crônica".



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