Clerisvaldo B. Chagas, 19 de agosto de 2015
Crônica Nº 1.475
(Para João Nepomuceno, Fábio Campos, Marcello Fausto e Ferreirinha).
Deixei tudo tudinho pra morrer
Num lugar sem cores sem poesia
…
Meu velho sertão robustecido
Os odores profundos dos frutais
Peixeira alongada nos bornais
Um cachorro vermelho e atrevido
O touro da fazenda enraivecido
Os beijos da moça que eu queria
O cochilo na rede ao meio-dia
Ou a barra do sol que vai nascer
Deixei tudo tudinho pra morrer
Num lugar sem cores sem poesia.
…
A torre da capela na tardinha
O gado deixando os seus currais
Bem-te-vi engrossando os madrigais
Os odores gostosos da cozinha
Uma arma de fogo que eu tinha
O café, o cuscuz que mãe fazia
A estrela que era a minha guia
Nunca mais pude vê-la renascer
Deixei tudo tudinho pra morrer
Num lugar sem cores sem poesia
…
Onde está meu cavalo das ribeiras
Minha sela de prata, meus arreios
Tempos invernosos, rios cheios
Garranchos das brutas quixabeiras
As balas que deixei nas cartucheiras
O quadro na parede, de Maria
O aboio que eu mesmo produzia
Quando à vida de gado pude ter
Deixei tudo, tudinho pra morrer
Num lugar sem cores sem poesia
…
Perdi o forró de pé de serra
A corrida de pega com a ema
O perfume mais doce da jurema
O mel de fabrico papa-terra
Deixei o sossego pela guerra
Nada é como quis e pretendia
Se lá fora a estrela reluzia
Aqui dentro não posso perceber
Deixei tudo, tudinho pra morrer
Num lugar sem cores sem poesia.