TEMA DO CANTADOR

19 ago 2015 - 09:49

Clerisvaldo B. Chagas, 19 de agosto de 2015

Crônica Nº 1.475

(Para João Nepomuceno, Fábio Campos, Marcello Fausto e Ferreirinha).

AMANHECER NA SERRA DO ORORUBÁ. (Livro: Ipanema, um rio macho)

AMANHECER NA SERRA DO ORORUBÁ. (Livro: Ipanema, um rio macho)

Deixei tudo tudinho pra morrer

Num lugar sem cores sem poesia

Meu velho sertão robustecido

Os odores profundos dos frutais

Peixeira alongada nos bornais

Um cachorro vermelho e atrevido

O touro da fazenda enraivecido

Os beijos da moça que eu queria

O cochilo na rede ao meio-dia

Ou a barra do sol que vai nascer

Deixei tudo tudinho pra morrer

Num lugar sem cores sem poesia.

A torre da capela na tardinha

O gado deixando os seus currais

Bem-te-vi engrossando os madrigais

Os odores gostosos da cozinha

Uma arma de fogo que eu tinha

O café, o cuscuz que mãe fazia

A estrela que era a minha guia

Nunca mais pude vê-la renascer

Deixei tudo tudinho pra morrer

Num lugar sem cores sem poesia

Onde está meu cavalo das ribeiras

Minha sela de prata, meus arreios

Tempos invernosos, rios cheios

Garranchos das brutas quixabeiras

As balas que deixei nas cartucheiras

O quadro na parede, de Maria

O aboio que eu mesmo produzia

Quando à vida de gado pude ter

Deixei tudo, tudinho pra morrer

Num lugar sem cores sem poesia

Perdi o forró de pé de serra

A corrida de pega com a ema

O perfume mais doce da jurema

O mel de fabrico papa-terra

Deixei o sossego pela guerra

Nada é como quis e pretendia

Se lá fora a estrela reluzia

Aqui dentro não posso perceber

Deixei tudo, tudinho pra morrer

Num lugar sem cores sem poesia.

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