Sertanejo de Pariconha pesquisa literaturas em defesa do saber indígena Joel apresenta literaturas indígenas de autoria feminina para mostrar uma produção em que o indígena fala por si.

Ascom / Ufal

21 mar 2022 - 18:46


Joel ao lado da mãe, sua grande incentivadora (Foto: Assessoria)

“Não sou um sujeito só. Sou resultado de uma coletividade”. Esse é o pensamento que move as atitudes e decisões do jovem Joel Vieira da Silva Filho. Oriundo da comunidade indígena Katokinn, localizada no Sertão alagoano, ele sabe da necessidade, e também da urgência, de dar voz ao seu povo tão incompreendido em suas culturas e tradições; tão perseguido e ameaçado em seus territórios originários.

Foi na Universidade Federal de Alagoas que ele encontrou a oportunidade para defender, divulgar e preservar o saber indígena por meio do método científico. Ao ingressar no curso de Letras-Português, no Campus do Sertão, decidiu que iria se valer da literatura, da escrita e da palavra oral, para desvendar uma visão de mundo pela ótica do próprio indígena.

Primeiro, foi com o seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em 2020. Recentemente, em fevereiro deste ano, com a defesa da dissertação pelo Programa de Pós-graduação em Linguística e Literatura (PPGLL), da Faculdade de Letras (Fale), da Ufal.

Em seu trabalho de mestrado, Joel apresenta literaturas indígenas de autoria feminina para mostrar uma produção em que o indígena fala por si, sem intermediários ou silenciamentos como os existentes em alguns textos clássicos.

“Busquei destacar que tais obras revelam a possibilidade de nos expressarmos sem a necessidade de um outro, o homem branco, o colonizador, falar de/sobre/por nós, pois entendo que a literatura funciona também como elemento de poder, que seleciona obras e autores da mesma forma que exclui e silencia outros”, explicou.

E reflete: “Realizar pesquisa em literatura é também questionar os apagamentos que nos acometem desde a invasão europeia. Se observarmos com atenção os compêndios da área, poderemos notar o silenciamento de autores indígenas e negros”.

Com o título Narrativas ancestrais de Auritha Tabajara e Eliane Potiguara: memória, cosmovisão e polifonia nas literaturas indígenas, orientado pela professora Ana Clara Magalhães de Medeiros, a dissertação apresentada por ele traça um estudo sobre as literaturas indígenas brasileiras contemporâneas, a partir das obras A cura da terra (2015), de Eliane Potiguara, e Coração na aldeia pés no mundo (2018), de Auritha Tabajara. Em breve, o trabalho estará disponível no Repositório Institucional da Ufal.

A defesa de uma coletividade

Residente em um povoado bem próximo à aldeia, em Pariconha, no Sertão de Alagoas, Joel está sempre presente em reuniões, festas e rituais da comunidade, onde já atuou como monitor na escola existente no local.

Durante as defesas de seus trabalhos acadêmicos, ele faz questão de sempre usar o cocar, como uma forma de trazer todo seu povo para junto de si em um momento tão significativo. “Na minha colação de grau, preferi substituir o capelo pelo cocar. Na leitura da ata da minha defesa de mestrado, também usei para simbolizar a ligação que existe entre mim e meus ancestrais. Costumo destacar em minhas falas, quando sou convidado para falar sobre literatura indígena, que não sou um sujeito só. Na verdade, sou resultado de uma coletividade”, afirmou.

O mestrado foi realizado durante a pandemia e a defesa da dissertação foi no dia 21 de fevereiro, de forma on-line. Além dos membros da banca, Joel também contou com a presença virtual de familiares, amigos, colegas, lideranças Katokinn e de colegas que lecionam na escola da aldeia.

Consciente de que o lugar onde chegou, por meio do saber, ainda é um espaço pouco ocupado pelo seu povo, Joel assumiu um compromisso com sua história, com sua origem, em sua trajetória acadêmica. “Por meio das minhas pesquisas, tenho o objetivo de evidenciar que nós, indígenas, produzimos arte e pesquisas. Temos uma sabedoria a ser valorizada e reconhecida”, defendeu. E essa busca continua também representa a luta pelo direito de existir e ser reconhecido: “Quero destacar que os  indígenas do Nordeste existem e resistem, por isso escolhi trabalhar no mestrado com autoras indígenas nordestinas. Sempre destaco a minha origem e dedico ao meu povo minhas conquistas”, enfatizou.

Seguindo a carreira acadêmica

Desde a graduação, Joel vem se dedicando à pesquisa na área de Literatura Indígena. Assim que concluiu o curso superior já ingressou no mestrado e, agora, se prepara para o doutorado. O desejo de seguir estudando surgiu com o estímulo dos mestres durante as aulas. “Tive docentes ótimos na Ufal Sertão que me impulsionaram na pesquisa acadêmica. Meu orientador e minha coorientadora de TCC, Márcio da Silva e Cristian Sales, foram essenciais para a construção do projeto que me levou à aprovação no mestrado”, reconheceu.

Para prosseguir, ele contou com uma rede de apoio. O apoio da família, em especial o da mãe Maria Dalva, e o da comunidade Katokinn foi fundamental. “Fui muito apoiado por minha família, principalmente por minha mãe, que, embora não saiba bem o que tudo isso significa, está sempre me incentivando”, disse. Outro suporte ele encontrou no PPGLL da Fale, no grupo de pesquisa Poéticas Interartes, e também nas ações afirmativas promovidas pela Universidade. “O auxílio para candidatos pretos, pardos e indígenas (PPI) em condição de vulnerabilidade socioeconômica me permitiu ser um dos raros discentes do programa contemplados com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior [Capes] ao longo de todo o curso”, contou.

Em um período marcado pelos cortes drásticos de recursos na educação e na ciência, ele destaca o quanto são necessários os investimentos nessas áreas para que mais pessoas, assim como ele, tenham oportunidade de ir além nos estudos.  “A bolsa, efetivamente, ofereceu-me maiores condições de permanência na pós-graduação, bem como maior acesso a materiais de pesquisa, como compra de bibliografia pertinente ao trabalho, inscrição em eventos acadêmicos pagos, além da possibilidade de me dedicar exclusivamente ao mestrado por não precisar buscar um vínculo empregatício que me garantisse o sustento, o que é cada vez mais incomum no Brasil”, avaliou.

A conjuntura difícil não o impede de seguir, pois a resistência é uma das grandes marcas de seu povo. Para o doutorado, o objeto de estudo já foi traçado e ele continuará a mostrar o saber literário dos indígenas do Nordeste brasileiro. “Tive sempre em mente que gostaria de continuar a pesquisar as literaturas indígenas e assim estou fazendo. Vou seguir o projeto Bibliografia das publicações indígenas do Brasil, coordenado pelo escritor indígena Daniel Munduruku e pelos bibliotecários Aline Franca e Thulio Dias”, adiantou.

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