Sobre Djessyka Silva

Djessyka Silva é servidora pública, atuando como Educadora Social em Santana do Ipanema. Bailarina e amante de todas as artes. É Assistente Social e graduanda em Ciências Biológicas pela Uneal


O real e vertiginoso mundo novo

28 abril 2021


(Foto: Pexels / Pixabay)

Passei a perceber o quanto é laborioso vivenciar a história, a partir do momento que o ato de escrever sobre os acontecimentos atuais se tornou algo difícil de fazer, ato este, que desde a infância foi fluido pra mim. O bombardeamento de notícias negativas que nos jogam goela abaixo, a cada minuto do dia, é algo que nos causa a sensação de precisar ruminar. Temos refluxo, azia, mal estar, má digestão. Não há tempo para digerir.

Era muito mais cômodo ler as histórias de cinquenta anos ou cinco séculos atrás. Nos impressionávamos, tínhamos sensações, ficávamos imaginando como tivera sido passar por determinadas situações. E depois, refletíamos, fechávamos o livro, e seguíamos nossas vidas. No máximo, conversávamos com alguém sobre as problemáticas que vimos nas páginas destes livros. E tínhamos até o super poder desugerir soluções. Tudo em simples e harmoniosa paz. Éramos imbatíveis.

Problemas existiam, sempre existiram, mas sempre fomos ótimos em contornar situações. Um jeitinho brasileiro aqui, outro ali, e as crises do jornal pareciam mais próximas à artificialidade dos filmes do que com o nosso real. Afinal, uma crise parcelada em 12x sem juros era mais fácil pro brasileiro pagar. Mas, pagar à vista, é caro demais. Pagar com a vida, é um prejuízo do qual não estávamos preparados. Ver a história passar diante dos nossos olhos no ao vivo, não nos dá tempo de sugerir soluções como costumávamos fazer.

Um ano depois de começarmos a escrever a primeira página do livro de histórias da qual estamos vivenciando, chegamos à exaustão. O cansaço que antes era relativo e individual, tratado facilmente com terapia e viagem de férias, agora é coletivo, e não existe “band aid”. A terapia se transformou em vídeo-chamada, assim como todos os outros locais dos quais costumávamos ocupar. As férias foram adiadas, pois já não havia lugar para ir, e o aconchego de estar em casa se tornou maçante.

Estamos imersos em descobrir o que é normal e anormal no novo agora. O calor brasileiro de fazer frevo precisou ser apagado com esguichadas de desinfecção e higienização. No novo normal, precisamos vestir não só o corpo, mas também a face. O perfume que costumávamos usar foi substituído pelo cheiro de álcool em gel. E os abraços… ah, os abraços… estes foram subitamente trocados pelas telas de smartphones e laptops. E mesmo já tendo se passado pouco mais de um ano, aparentemente ainda não nos habituamos.

No mês de março, ao mesmo tempo em que se completava um ano da primeira morte por coronavírus no país, o plano político foi alcançado: “Brasil acima de todos”. Estávamos liderando a quantidade de mortes diárias até poucos dias atrás. Na história que estamos escrevendo hoje, o Brasil que antes fora referência de vacinação, agora sofre com uma Revolta da Vacina reversa. Enquanto esperamos uma vacinação em massa, só conseguimos vislumbrar um milagre do amanhã, que nunca chega.

O Brasil que costumava se revoltar por um vintém, protestar por 20 centavos, gritar por liberdade e manifestar-se por impeachment, parece ter sido silenciado pelo luto. No novo normal nós fazemos a escolha entre comer ou pagar as dívidas, calados. Um estudo recente feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), apontou que o valor ideal para sustentar uma família composta por dois adultos e duas crianças, deveria ser de R$5.315,74, em março. Enquanto isso, fazemos o milagre da multiplicação com o salário mínimo de R$1.100,00.

O Brasil das crises estabeleceu uma normalidade assustadora. Nós decidimos resolver a situação com vídeos dançando, “memes”, reality shows e fotos de demonstração da nossa satisfação e felicidade nas redes sociais. Entregamos as crises
políticas, econômicas, sociais, sanitárias e humanas, para Deus, o universo, o cosmos, o senhor tempo, os orixás, e todas as divindades, pois nós estamos ocupados demais com o nosso novo normal. Precisamos alimentar as nossas redes sociais, ficar sempre online e conectado, afinal, não é isso o novo normal?

Ao que parece, até mesmo o maior medo humano foi normalizado. Até caberia aqui, um trecho de Cazuza: “Senhoras e senhores, trago boas novas, eu vi a cara da morte e ela estava viva”. Após quase 400 mil mortes, ao que parece, só nos resta aceitar a ceifadora. Afinal, os lockdowns no Brasil nunca aconteceram, de fato. Para uns, por necessidade, para outros, por pura e simples irresponsabilidade. Estamos engolindo o luto com doses de café (que a propósito teve aumento de 36% em sua produção de 2020), e seguimos nos ludibriando com os sorrisos postados.

Se está tudo bem no reality show da TV, nas redes do Zuckerberg, nas séries e filmes das plataformas de streaming, então está tudo bem com o mundo também. O que nós poderíamos fazer mesmo? Já não somos mais a geração coca-cola de outrora, somos a geração que grava vídeos e espera ficar rico e famoso. Não temos porque nos preocupar com os problemas do país, já temos os nossos próprios problemas do nosso novo normal: “como editar vídeos dançando para postar?” O novo normal causará mudanças longínquas e irreparáveis, o que não se pode saber, ainda, é se essas mudanças serão, ou não, positivas. Quem sabe possamos descobrir nos próximos livros
de história.

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