O poço e o rei

12 mar 2015 - 07:42

Clerisvaldo B. Chagas, 12 de março de 2015

Crônica Nº 1.385

Carito do rio Ipanema. (Foto: (Clerisvaldo Chagas)

Carito do rio Ipanema. (Foto: (Clerisvaldo Chagas)

Após as cheias periódicas do rio Ipanema, as águas formavam poços no seu leito arenoso. O mais famoso era o poço dos Homens, por trás do comércio de Santana. A pesca era livre com destaque para alguns elementos da sociedade local. Assim encontrávamos sempre a fisgar mandim, Toinho Baterista (depois Toinho das Máquinas) que só pescava de anzol. Seu Quinca, alfaiate, o mais antigo profissional que conheci, também fazia ponto pescando de anzol. Dizem até que quando ele chegava ninguém conseguia pescar mais nada. Havia tarrafeiros em busca de bambás (denominadas Xiras no rio São Francisco). No poço havia um peixe pequeno chamado piaba e o corrupto do “submundo” conhecido como carito ou chupa-pedra. Não passava de cinco centímetros, feio, boca de sapo, ignorado por todos. Mais tarde surgiram no Ipanema o cará e o pitu.

Nós, meninos, antes, pescávamos piabas, com litro de vinho, do fundo virado para dentro, tendo como isca um pouco de farinha.

O que nunca pude entender era o modo de pesca de um cidadão da Rua e Bairro São Pedro, chamado Joaquim Reis. Não queria outra coisa; nem piaba, mandim ou bambá. Preferia pegar à mão os corruptos caritos jogados pelas águas nas pedras do poço.

Joaquim Reis tinha nobreza no nome. Eu já percebia isso, mesmo com idade pouca. Era pobre, está certo, mas por que aquela miserável preferência pelo peixinho desprezado por todos?

Existem na Câmara Federal, no Senado, nas Câmaras Municipais, pessoas de altíssima qualidade moral que honram os seus eleitores, familiares, mandato e o seu país. Os seus salários já são uma exorbitância e contam ainda com as mordomias dos antigos déspotas europeus. Tudo é imoral, mesmo sendo legalizado. Enquanto isso o povo geme como gemia na França da Idade Medieval.

Esses pelos menos pescam gordas bambás, robustos mandins e gigantes pitus.

Mas por que outros nobres nos títulos insistem em buscar os caritos do submundo?

Talvez Freud não explicasse essa tendência aberta para a corrupção escalonada e contínua, mas com certeza se Joaquim Reis ainda fosse vivo, no instante resolveria esse mistério.

Comentários