Marcelo Ricardo Almeida

SANTANA DO IPANEMA: TERRA DE ESCRITORES

Na avaliação da escritora Maria do Socorro Ricardo, se a arte é a expressão das emoções, escritor/a é escritor/a quando a criação superar a criatura. O trabalho do/a escritor/a, o trabalho intelectual do/a escritor/a, e, daí, trabalho diferente do pedreiro que ergue um prédio, diferente do médico que remedia uma vida. O trabalho intelectual do/a escritor/a é quando este for maior que o/a próprio/a escritor/a. E a escritora de Santana do Ipanema, Maria do Socorro Ricardo, conclui com os versos que se seguem:
Da janela de minha casa admiro os barcos que viajam pelo universo e
o som dos pássaros presos em gaiolas gorjeia sobre o tempo eterno
como se constroem barcos se constrói vida como se construíssemos
o silêncio do universo em páginas de cadernos de linhas e palavras
estou diante de um sábado de feira em Santana do Ipanema de 1970
onde o mercado se divide em mercados e cada mercado há um preço
os pés de pessoas vencem distâncias entre velhos e vazios planetas
há frutas na natureza-morta desenhada naquela jarra presa à mesa
o vaivém de silêncios entrecortados acorda os pássaros nas gaiolas
estas são minhas águas-panemas em Santana sertão alagoano
são terras parecidas com outras com pedras e água salobra de mar
Santana do Ipanema querida cidade cujas linhas geopolíticas pulam
falam e gritam sobre os acontecimentos neste ano de 1973 e mais
onde pés que caminham nas areias de seu rio com casas às margens
conto em linhas ligeiras passagem de seu povo Santana do Ipanema
ribeirinha cidade de Santana do Ipanema lugar de sol e de serras
distantes lugares de caminhos de pássaros que cantam em gaiolas
as águas-panemas lavam e alimentam os moradores das serras
silencia o universo do alto admiro outra cheia que lava a cidade
ai janela querida que ficou só em Santana do Ipanema
era maio de 1968 na cidade que me viu caminhar em suas ruas
a parede caiada de minha casa de fazenda admira os pássaros
nuvens formam figuras como se um Monet ou Manet as pintassem
de repente as cores voam e alcançam o universo dos pássaros
as gaiolas presas às paredes brancas revelam seus cânticos
como se a Terra de Escritores: Santana do Ipanema fosse una
janela querida que ficou só em Santana do Ipanema feérica
era maio de 1968 na cidade quando pintei palavras em versos
das janelas de minha querida Santana do Ipanema
o universo me contempla como o contemplo agora
as pedras conversam sobre tempos antigos e mornos
como o limo que as une em desespero absoluto musgo
Santana do Ipanema entre um cinturão de serras secas
colore as ruas com as cores saborosas das lembranças
dos janelões calados e sérios de minha eterna cidade
o som dos pássaros presos em gaiolas fala do universo
agora compreendo as suas ladeiras Santana do Ipanema
sua música suas feiras espalhadas pelas ruas metálicas
neste poema de maio de 1968 onde as palavras feéricas
lavam as ruas como águas de panemas areentas águas
e os caminhos que se caminham em Santana do Ipanema
são suaves e quentes como dois olhos presos às paredes
os olhos das casas são janelões abertos que falam por si
sobre um tempo que já se foi há meia hora desistiu de ser
numa canoa em preto e branco de madeira
segui a correnteza de ar em leves manobras
e leve deslizava a canoa sobre as cumeeiras
das casas velhas de minha Santana do Ipanema
numa porta um seresteiro afinava o pinho
noutra porta a mulher gorda aprisionava o sol
naquele sobradinho pássaros estavam em gaiolas
agora só ouço o zumbido do universo misterioso
eu me esqueci que fui criança e o mundo era de rosas e de mares
E surge o teatro, a nona maravilha
Com seus enredos e seus atores
Corre o sertão labuta acende a pilha
Com aventuras pelejas de amores
Visitando sítios vilas ruas cidades
O teatro conquista aplausos fama viva o teatro o feijão o arroz.
Escreveu a poeta, Maria Mércia Ricardo Almeida (1965-2023), sobre a sua cidade, Santana do Ipanema, associando-a com o título à cidade criado pela memorialista, Maria do Socorro Ricardo (1940-2023), ao identificar a cidade “Santana do Ipanema: Terra de Escritores”.
Quando Deus quer é assim.
Sou a escrita, não a ciência.
Liberdade é poder, eu posso.
Os surdos ouvirão a palavra do livro.
Poesia é o sentimento concretizado.
Seja você mesmo,
Mas – mais tem Deus pra dar do que o malvado pra tirar.
Tudo isso acontece, e o homem não engravida.
Abrindo caminhos,
Mudei a cabeça deles e continuo mudando.
Agradeço e ofereço a Deus a publicação deste livro.
Um livro e nove títulos – ou mais.
Abrindo caminhos.
Seja você mesmo.
Quando Deus quer é assim.
Sou a escrita, não a ciência.
Liberdade é poder, eu posso.
E em outro de seus poemas, Maria Mércia Ricardo Almeida escreveu estes versos:
É isso que alguns
Tem pra dá...?
Uns dão o mal,
Outros dão o bem.
Cada um dá
O que tem.
A poeta sintetiza a sua poesia com versos breves sobre o cotidiano. Faz um desenho de suas observações em relação ao livro, que é feito para circular. Não nasce um livro para dormir em bibliotecas. Como versifica Maria Mércia Ricardo Almeida:
Entra uma criança sapeca
Na biblioteca
Mas não pode falar
Nem espirrar
Engole o espirro
E não pode mexer
Mas quer aprender.
E a criança sapeca vê
A monstra da biblioteca dizer:
Silêncio! proibido mexer
Tire as mãos desses livros
Aqui mando eu, e não você.
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